29/07/2010

Funfando Darwin

O segredo de roubar todo o dinheiro de alguém no jogo não é roubar no jogo, o que é óbvio demais, mas usar truques de confiança para fazer o sujeito acreditar que o jogo é mais fácil do que realmente é. É o caso daquelas banquinhas que vemos em filmes americanos em que o sujeito embaralha três cartas de cabeça para baixo e o apostador tem que adivinhar qual delas é o ás ou a dama de espadas. O truque sujo ali não é remover a carta certa ou incluir mais de uma, mas o uso de comparsas. Há dois papéis distintos, o do grupo que fica em volta fazendo claque, gerando curiosidade e dando um ar de legitimidade para a coisa, como se fossem testemunhas isentas, e a pessoa que fica jogando e vencendo sempre, para dar a impressão de que o jogo é fácil e entusiasmar a vítima do golpe a apostar. Uma vez que a vítima aposta, a habilidade do embaralhador se mostra de fato e limpa o sujeito.
Ainda que imoral, o recurso é amplamente utilizado ainda hoje. Por exemplo em programas de auditório, que pagam pessoas para sentar na platéia e rir ou aplaudir, estimulando os outros a fazer o mesmo. Ou ainda entre cassinos que pagam pessoas para andar entre as mesas de jogos apostando, para incentivar os outros a também fazerem, muito embora o dinheiro que ele aposte é do próprio cassino e a jogada é toda fictícia. Na sinuca o golpe é duas pessoas entrarem numa mesa de aposta fingindo não se conhecerem, mas uma não mata a bola do outro e posiciona a bola branca na mesa para dificultar que a do outro caia, enquanto o outro faz jogadas arriscas derrubando as bolas dos demais, isto é, um ataca, outro defende, uma armação que rende muito dinheiro, ou uma boa surra, caso descoberta.
Foi aí que decidimos que íamos rapar toda a grana de Darwin. Catilina, o notório traidor romano que tentou derrubar a República no século I antes da Era Comum, fingiu-se de amigo de Darwin para atraí-lo a nossa roda semanal de poker, que andava meio falida desde que a condessa Bathory começara a apelar para cirurgias plásticas, como uma alternativa moderna para o banho com sangue de crianças, do qual ele vinha se abstendo desde sua condenação pela morte de oitenta delas no século XVII.
O esquema estava montado, todo iriam perder de propósito e deixar que Genghis Khan viesse com as boas mãos e ganhasse o bolo, enquanto Diógenes, o cínico, iria aumentando as apostas, para fazer o cientista inglês apostar mais e perder tudo.
“Fünf Karten”, disse a condessa, e o jogo começou...

22/07/2010

Ligações

A chuva castiga a janela, o telefone toca, o cheiro de café continua aquecendo a casa. Na escuridão do meio da tarde de inverno, penso em Rubem Fonseca, João Ubaldo, Fausto Wolff, no pessoal da velha geração.
A geração deles e a minha tem muito pouco em comum, afastada não só por uma geração intermediária, cujos heróis morreram de overdose, mas por uma ditadura civil-militar no meio que esfacelou em duas décadas toda nossa cultura.
Foi uma geração de sorte a deles, que viveu em um país completamente diferente, menos tresloucado, e que deixa um vácuo na atualidade cada vez que um desses senhores sai de cena, como o grande Fausto. Em comum, entre a minha geração e a deles, só um tiro de espingarda na cabeça, ou mais precisamente, as mortes de Hemingway e Kurt Cobain. Hemingway, como se sabe, foi um dos grandes escritores americanos, talvez o maior. Já a minha geração ficou com Cobain que, embora tenha renovado por alguns anos o cenário musical, marcou mais pela exótica performance de se masturbar no palco em um show no Brasil. Por aí tem-se em conta as diferenças entre aquela geração e a minha.
A chuva castiga a janela com mais força ainda, com raiva mesmo. O telefone continua tocando. E o cheiro do café dá mais densidade ao ambiente escuro. Eu nunca entendo porque as pessoas continuam tentando me ligar. Daí reclamam que não tenho celular. Então quando comprei um era aquele inferno: o telefone tocava, tocava, tocava por infindáveis minutos. Aí parava. Aí a pessoa ligava pro celular, que tocava outros tantos minutos. Tentava mais uma vez o telefone e outra o celular, quando então finalmente desistia e esperava meia hora para começar tudo de novo. Aí me encontrava na rua e ainda me enchia o saco que eu nunca atendia o celular, o que me obrigou a devolvê-lo à operadora, pois só duplicava meus problemas, ao invés de resolvê-los.
E o telefone ainda toca e a chuva cai, enquanto o café se esvai. Ah, o cheiro, tão mil vezes melhor do que o som! A sinuosidade sensual da xícara, em contraste com a feiúra futurista do telefone.
Sinto que alguma coisa se perde, alguma coisa que se vai junto com as pessoas que conheceram aquele outro país, e que se mantém por um fio com aqueles que ainda estão por aqui. A própria história se perde, abafada pelo peso dos livros. Não é algo casual, é uma guerra, a disputa da geração que hoje está no poder se irá receber o legado daquela geração anterior ao golpe ou continuará a tarefa da ditadura de destruí-la.
Por aqui o telefone ainda toca.

13/07/2010

Miss Vagina Head

arte moderna, uma perfomance neo feminista burlesca, ou algo assim:
http://www.emmabuggy.com/MissVaginaHead.html