Havia esse parque com brinquedos coloridos para as crianças escorregarem e se balançarem e toda a sorte de coisas que as crianças costumam fazer. Eu ia lá diariamente para consumir minha dose diária de cigarros e de graspa, tentando relaxar em meio àquela gritaria pueril.
Eu precisava reclamar aquele território para mim, tomar posse. Primeiro tentei fazer como os cachorros e urinar nos brinquedos, mas percebi que as crianças pareciam não se importar muito com isso e escorregavam em cima da urina seca sem nenhum problema. Tentei um ritual de guerra com roupas indígenas, mas isso mais divertiu as crianças do que assustou-as.
Então, um dia, eu lia um livro quando uma dessas criancinhas de olhão arregalado me pediu para jogar a bola que havia caído ao meu lado. Peguei a bola e perguntei se ela gostava, ela disse que sim. Perguntei se havia ganho de presente, e ela disse que sim, do papai noel.
Era minha chance. Abri para ela as boas novas que os pais nunca lhe contavam, que papai noel não existia, que os pais delas a haviam enganado, que aquela era uma bola ordinária comprada em loja de quinquilharias e que os pais dela haviam mentido para ela porque não a amavam.
A criança saiu chorando e foi contar para a mãe, deixando me satisfeito com a leitura, até que me vejo cercado por um grupo de senhoras revoltadas. A mais descontrolada era aquela que parecia ser a mãe da garotinha, que me ameaçava com um processo e gritava freneticamente enquanto a criança chorava agarrada nas pernas da mãe.
Bem, escapei por pouco de apanhar por aquele grupo de mulheres em fúria, mas acabei mesmo sendo processado pela mãe. O juiz, que não queria saber daquela querela fútil, resolveu encerrar sumariamente o processo me livrando de pagar uma indenização por danos morais, mas me obrigando a trabalhar em uma creche por seis meses.
Foi como se a bota pesada da justiça destroçasse meus dentes. Justo eu sofrer tal castigo! O juiz disse que seria uma medida educacional e não teve jeito. Lá ia eu todo dia em meio aquela balbúrdia terrível de crianças gritando e trocando secreções líquidas.
Me colocaram para ler histórias, que eram sempre coisas terrivelmente chatas. Até o dia em que apareci com um livro de 400 páginas com um dragão na capa. Passei seis meses lendo aquela história, num silêncio absoluto, enquanto as crianças ansiavam pela hora em que o dragão entraria em cena. Dragões, nada como eles para intimidar criancinhas!
14/10/2010
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