Eu parei de me interessar por futebol em algum lugar ali entre a infância e a adolescência, e boa parte da culpa era desse sujeito da escola.
Era um daqueles tipos insuportáveis, antipáticos, que ia para a educação física tagarelando sem parar, dizendo que era melhor, que podia jogar sozinho contra o outro time, mais capaz, que tinha feito escolinha no Avaí e por aí vai.
Ninguém suportava o sujeito.
Mas o que todo mundo odiava nele, mais que a tagarelice, era que mal começava o jogo e o sujeito ia perdendo a pose. Perdia as bolas, dava bicão pra longe, tomava sempre o drible pelo meio das pernas e, quando isso acontecia, ficava furioso, queria cair na porrada, partia pra cima dos outros pra tentar quebrar uma perna ou joelho na dividida.
É claro que o professor tentava acalmar e conter o cara, e dava uma, duas, sucessivas faltas. Foi aí que ele começou a apelar de vez e, antes mesmo do jogo começar, já começava a dizer que o juiz era ladrão, que estava em conluio com o outro time, que ele era vítima de um complô. Quando começava a levar cartão depois de dar socos no time adversário ele justificava: Tão vendo? Não disse que o juiz era ladrão?
Essa são coisas que não deveriam contaminar a visão que a gente tem do esporte, mas infelizmente vai desgastando. A gente começa associar o esporte com a sujeira e logo desanima. Passei para outras opções mais interessantes, como hockey no gelo, basquete, e, por fim, vôlei feminino, um esporte que é uma mistura de graça, elegância e desfile de modelos.
As décadas passam e a gente vai esquecendo e perdoando certas coisas e mal se lembra do que aconteceu nos campinhos de várzea da infância perdida nos anos 60. Outro dia o sujeito me aparece do nada, dizendo que queria reunir o pessoal para jogar outra vez, relembrar os velhos tempos.
Mal começa a partida e vêm a tona outra vez as memórias daquele tempo, só que numa versão piorada. O sujeito já quase idoso, misturando agora uma certa paranóia senil aos mesmos truques, a mesma violência contra adversários, a mesma tentativa vergonhosa de tentar ganhar através da calúnia ou no tapetão.
Mas se ele era o mesmo, ainda piorado, nós certamente não éramos. Há muito já havíamos deixado aquela infância que se deixa levar por maus perdedores. Um coisa é perder, algo que não é desonra, mas um exercício de superação moral, outra é apelar para a calúnia e agressão quando percebe a inevitabilidade da derrota. Mas agora nos tornamos adultos e os velhos golpes não colam mais.
02/09/2010
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