06/02/2010

Volta pra casa

Ele vinha saindo com pressa do serviço, precisava chegar ao térreo e passar pela porta da frente antes que o porteiro encerrasse o expediente e a trancasse. Estava quase lá quando o celular tocou. “Amor, você tá vindo pra casa?”, perguntou a voz melosa do outro lado. Ele apressado explicou que estava e que a amava muito e mandou um beijo e desligou e olhou em frente e descobriu que era tarde demais, o porteiro acabara de trancar tudo.
Ficou com raiva do aparelho, da mulher, da empresa, de tudo. Agora teria que dar a volta no prédio e sair por trás e perder uns bons quinze minutos, mas não tinha outro jeito. Tirou o paletó e botou no braço enquanto suava litros em seu percurso.
Com essa volta toda não ia dar tempo de pegar o ônibus. Resolveu tomar um táxi. Ia se aproximando do ponto quando viu que havia um veículo lá parado. Só um. Saiu correndo apressado quando o celular tocou de novo. “Amor, você já está chegando?” Perguntou a mesma voz melosa de antes. Ele explicou que ia demorar um pouco mas que logo chegava. Falou que sim, que ainda amava ela e que não devia se preocupar com essas bobagens. Mandou um beijo também fazendo uma voz suave quase em falsete.
Desligou o aparelho e olhou pra frente a tempo de ver o último táxi sair. Agora não tinha jeito, teria que ir de ônibus mesmo. Foi andando até o terminal. Chegou lá ainda mais suado. Viu seu ônibus parado no ponto e pensou “Finalmente um pouco de sorte hoje!”. No caminho o celular tocou e ele pensou em nem atender mas viu que era ela e sabia que ela ficava furiosa quando ele não atendia. “Oi... é... sim... é... tá demorando mesmo...” ele respondia para aquela voz que agora já não era tão melosa do outro lado, “é... eu sei meu amor... eu estou indo... já disse que estou indo... não, não estou no bar, estou no terminal de ônibus... já disse, não estou bebendo, sei lá que barulho você está ouvindo, aqui eu só ouço motores e gente... não, já disse, não tô no bar bebendo e vendo futebol... tá... tá... tá bom... tá... eu também te amo”.
Desligou apressado e olhou a tempo de ver o ônibus saindo. Agora estava perdido de vez. Tirou a gravata e decidiu ir a pé o resto do caminho. Tinha dias que tudo dava errado. Foi passando por uma pracinha e lembrou que brincava ali quando era criança. Lembrou de uma vez que brigou com os pais e se escondeu ali chorando até o anoitecer.
O celular tocou de novo. Era ela. Ele espatifou o aparelho contra o chão com raiva e desespero, pisoteou-o e correu para a praça para chorar até anoitecer.