E então eu conseguia realmente me relaxar, libertar. Oxitocina adoçando minhas veias com uma estranha calma sem fôlego. Ela ficava rindo de mim com uma cara sacana e fingindo que não me entendia.
Eu posso dizer que tive sorte. Poucas pessoas tem a chance de fazer um acordo com a morte e não cumpri-lo. É claro que a ceifadora não deixou barato e me bateu como um cão esfarrapado, feridas de sarna à mostra e tudo o mais.
Mas ela compensava tudo. Ela tinha mania estranhas que me divertiam. Aquela coisa que ela fazia babando, por exemplo. Um longo fio de baba correndo pelo queixo, litros e litros de baba escorrendo pela boca. E eu olhava aquilo e ria satisfeito, sentindo-me agraciado.
Aí ela babava em mim, espalhando a baba, escorrendo baba em tudo, até mesmo no chão. Eu ria e dizia: não pare agora, não pare. E ela olhava pra mim, e ria, e fazia algo com os cabelos que até hoje não entendo o que era, mas a deixava parecida com a Rose McGowan, com direito a metralhadora na perna amputada e tudo.
Então ela botava uma música do Robert Johnson pra tocar, um disco de vinil velho e rachado em que apenas algumas músicas ainda tocavam. “Me and the devil” era a favorita dela, como se quisesse a qualquer momento confessar que fosse uma súcubus saída do meio de um filme ambientado no Haiti, como aquele da serpente e do arco-íris.
Aí eu ia até a vitrola e colocava uma música qualquer do Pink Floyd para me dar um tempo para respirar e alongar aquela misancene toda. E ela dizia que eu a fazia realmente feliz e eu fingia por um minuto acreditar, apenas para não cortar o clima do momento, enquanto “Paranoid Eyes” tocava.
Aí ela vinha pra cima de mim com aquele fio de baba à la Alexis Texas que corria pela casa toda e se alongava e ríamos e eu fechava os olhos ouvindo a música e sentia que, de alguma forma, o mundo não era o mundo, eu não era eu e nada era nada.
Acho que apaguei algumas vezes fazendo isso, e acordava com ela sentada, olhar sério. Um calafrio me vinha de imediato porque eu sabia que aquilo não era bom sinal, era a virada da maré, o preço amargo dos relacionamentos, quando a meia-noite passa e as pessoas começam a trocar segredos e dores e mágoas e traumas.
Eu não era bom com isso. Era essa a parte que me ferrava. Eu sabia que era só ficar sentado ali e concordar com ela e tudo que ela dissesse e então dizer que era tarde e tinha que ir embora e assim por diante. Mas de alguma forma a coisa não funcionava. A farsa caía naquela momento e eu nunca consegui me comunicar, sintonizar no mesmo nível de empatia. E tudo então acabava.
03/11/2010
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