11/02/2010

Como matei John Lennon

É engraçado, eu, como muitas pessoas, sou dado a certo espanto pelas coincidências, embora elas não sejam mais nada além do que a palavra diz, coincidências.
Mas acho que às vezes a gente pode ter um faro especial pra coisa e segue impulsos sem ter muita noção do que está fazendo. Às vezes dá certo, na maioria das vezes não, mas essa minoria de vezes que dá certo é o que fica gravado na nossa memória e nos espanta. É o caso clássico do experimento de Skinner e seus pombos religiosos.
Mas o fato é que fiquei com aquele livro por uns dez anos na fila pra ler e um dia deu na telha de ler. Li ele de um tapa só e fiquei estupefato e fui na internet procurar pelo autor, JD Sallinger, e descobri que ele acabara de morrer a apenas algumas horas.
Que coisa, porque tive que esperar pra ler o livro justo quando o cara estava no leito de morte? Nem sequer mandar um elogio pra ele eu posso mais.
O mais curioso do livro é que a maioria faz uma defesa do livro que dá vontade de vomitar e a gente pensa que nunca vai ler o livro. Dizem que é um livro sobre um adolescente voltando pra casa e retratando as angústias de um adolescente padrão.
Não poderiam estar mais errados. E é por isso que não entendem porque o cara que matou John Lennon se dizia inspirado no livro.
Eu sei que vou estragar para muita gente a grande graça do livro que é sacar isso, então parem de ler aqui se pretendem ler o livro num futuro próximo. O livro é na verdade o relato de um escritor de trinta anos, aprisionado no hospício, em meio a uma crise psicótica severa, que começa a desdobrar sua identidade em várias personalidades diferentes, sendo uma delas o próprio narrador do livro, Caufield, que parte numa jornada interagindo com essas pessoas reais ou não.
É simplesmente genial isso, grande lance de mestre do Sallinger e creio que a própria explicação dele do porque se retirava do convívio social após escrever o livro. Está tudo lá no romance, só que de forma tão disfarçada, que a maioria das pessoas vai ler o relato de Caufield sem perceber que o próprio Caufield é o delírio de um outro personagem secundário do livro, que é justamente a única pessoa que Caufield consegue ver no hospício. É tudo tão sutil que é de tirar o fôlego e ficamos mesmo com a sensação de que estamos enlouquecendo em pensar que o livro se trata disso, que estamos tendo uma grande ilusão paranóide do tipo teoria da conspiração.
O passo seguinte, é claro, é matar John Lennon, mas aí já é outra história...