08/12/2010

Era uma vez

Ele era um tanto quanto tolo e a mãe não confiava no moleque pra nada. Ela chegou a pensar em mandar ele ir na cidade vender a vaca que tinham, mas a mãe concluiu que ele era do tipo capaz de trocar uma vaca por feijões, achando que eram mágicos, como na história que todos conhecemos. Por fim, mandou o menino vender o belo cabelo comprido que tinha. Ia valer bem uns quinhentos reais numa casa de perucas, pensou a mãe, confiante no trocado que a permitiria sobreviver mais um mês. Nos tempos áureos ela recorreria às esquinas da Conselheiro Mafra, mas o tempo era impiedoso e ela já estava velha demais e não conseguia mais levantar uns cobres assim no fim do mês.
Então lá se foi o pobre do Hans num ônibus pro centro tentar negociar a venda de seu cabelo, cujas mechas finais ainda tinham aquele brilho dos cachos de bebês. Estava passando pela praça XV quando parou para fazer à figueira o pedido de conseguir uma boa grana pelos cabelos.
Um sujeito que ali lia o seu jornal, oportunista conhecido que trabalhava num gigantesco banco multinacional, ouviu tudo o que Hans dizia para a árvore e logo bolou o golpe. Se aproximou de forma gentil do menino e ofereceu que ele desse seu cabelo ao banco pela quantia 500 pilas, com a condição de que o negócio se desse no longo prazo. O menino deixaria a quantia no banco rendendo juros módicos de 9% ao ano por 60 anos, precisava pensar no futuro, preparar a aposentaria etc, etc, de forma que em 60 anos ele teria mais de 30 mil pila, ao invés de apenas 500. “Com esse dinheiro,” disse o sujeito do gigantesco banco, “você terá muito mais que o dinheiro do seu cabelo, mas o valor de uma dentadura de ouro. Você não quer trocar seu cabelo por dentes de ouro?”. A lábia matemática do retorno financeiro foi tão complicada e persuasiva, que Hans acabou aceitando e se deixando levar.
Hans chegou em casa todo satisfeito e careca, contando para a mãe da façanha que fizera e lhe garantira dentes de ouro na velhice. A mãe, chocada e irritada, amaldiçoou o filho por tal coisa e consolou-se com o fato de não ter mandado ele levar a vaca para vender.
O tempo foi passando depressa e a mãe de Hans por fim faleceu deixando ao filho o mundo de desgraças e miséria a que fora condenado. Tinha já quase setenta anos quando ia passando por um beco e quatro sujeitos lhe seguraram e o espancaram, arrebentaram todos os seus dentes e, no lugar, instalaram uma linda dentadura de ouro, saldando finalmente a dívida do banco com Hans. E viveram felizes para sempre.