04/01/2011

O fim de uma década

É aí que você se toca que está acabando a primeira década do século e do milênio e decide dar algum significado a isso. Por um lado foi a década em que o país saiu do atraso e ganhou um rumo, ajudado pelo bondoso bônus demográfico, que sugere mais umas boas décadas pela frente. Por outro, você percebe que não tem muito sentido celebrar uma efeméride cronológica, afinal, a rigor, a mudança da meia-noite é exatamente igual a qualquer mudança de um minuto para outro.
Mas aí você percebe que a grande sacada é isso mesmo, o mundo e a vida não existe com um destino ou objetivo traçado à priori, não existe por fruto de planejamento e você, ser humano moderno, não precisa rastejar temendo forças invisíveis, tem o poder de decidir seu destino e o interesse ou não de criar uma sociedade onde todos possam desfrutar de uma vida melhor. Portanto se você decidir celebrar a virada de ano, é um bom motivo para festa como qualquer outro, então por que não?
Aí você resolve fazer como os gringos e criar uma lista de resoluções de fim de ano, promessas a si mesmo de coisas que não fará ou fará no ano seguinte. Depois de intenso debate com as vozes internas de seu cérebro você assume três compromissos para o ano que vem: não irá mais rolar bêbado no chão, não irá flertar com a mulher do chefe se ela usar decotes, como na última vez em que foi demitido, e não dará mais vexames em festas.
O único senão em sua lista é que todos os itens estão na negativa, começam com um não. Mas então você se lembra de Axel Honneth em sua gramática moral do conflito social, da forma como ele advoga que toda a negatividade é, por fim, geradora de um conflito que, se resolvido, instaura uma nova positividade, superior àquela anterior. Ou seja, a negatividade é a própria forma pela qual as pessoas, ao se verem negadas como sujeitos plenos, entram em conflito com o outro, negando com isso também a integridade moral daquele outro até que, pelo reconhecimento mútuo, as partes cheguem por fim a um novo patamar.
Como um meme voraz essa idéia sedimenta a decisão em seu cérebro e você parte enfim despreocupado para a festa de fim de ano. Será o melhor ano de sua vida e você bebe até cair no chão e não conseguir mais falar direito. Aí vem aquela mulher incrível que seu chefe desposou e você ataca ela, logo depois subindo na mesa para uma dança sem roupas.
Você acorda no dia seguinte numa cela, de ressaca e sem emprego. Não foi dessa vez que você cumpriu as resoluções. Mas, quem sabe ano que vem...