13/01/2011

Esforço

Estava quase conseguindo quando vem aquela batida na porta: “Fonjic, Fonjic! Anda logo, quero usar o banheiro também!”. Senti a concentração desabando. Todo o esforço perdido e teria que recomeçar tudo de novo. “Calma, tô quase acabando”, menti.
No calor, o suor me escorria já pelas têmporas e a imaginação não colaborava comigo dando asas a longos devaneios. Viagens de férias, memórias de juventude, estatísticas furadas, tudo vinha como um jorro.
Lembrei da vez em que fui comprar um imóvel e encontrei um lugar cheio de bolor nas paredes, cheiro insuportável de mofo, paredes embolotadas e pintura estufada, pedaços de concreto faltando numa viga acima de nossas cabeças que sustentava todo o prédio acima. A corretora foi gentil comigo e me poupou do constrangimento dizendo ela mesma que se recusava a vender um imóvel assim. Fomos embora e fiquei dois dias me coçando por causa de algo naquele ar. Notei os arranhões na porta de entrada e não pude deixar de pensar que o antigo morador fora morto por algum acerto de gangue ou algo assim. Era o imóvel mais barato da cidade e ainda assim eu precisaria de empréstimo, uma vida inteira se ferrando e nem um cafofo infecto daqueles eu tinha dinheiro para comprar. Ainda hoje me dá coceiras e medo ao lembrar do lugar.
Nova batida na porta. Nova mentira. Novo início.
Na vida moderna sempre tem alguém batendo na porta. Ou telefonando. Ou mandando email, tuíter, vendendo tapoé ou recolhendo longuinetes, seja lá o que quer que fossem isso.
Lembra, meu amigo, quando as coisas eram mais simples? Quando podíamos nos jogar pro meio do mato depois da aula e ficar lá bebendo e contando histórias de terror, e depois você acordava apavorado, sozinho no escuro, gritando para que fôssemos te socorrer porque a menina da faca estava por lá para te pegar? Ou quando o doravante chamado Roosevelt desmaiou ao avistar um de nós coberto com um lençol se fazendo passar por fantasma?
Ah, eram tempos ridículos aqueles, eu sei, mas ainda assim cheios de vitalidade e energia. A juventude é um fonte inesgotável de dor, sofrimento e alegria, tudo ali misturado e muito intenso, a qual passamos o resto da vida tentando retornar, como um fumante de crack buscando repetir a euforia da primeira fumada, morrendo rapidamente nessa busca.
Novamente a batida da porta. “Anda logo Fonjic, porque a demora? Não está com uma das suas revistas aí, não?”. “É claro que não, me deixa em paz”, respondi, escondendo instintivamente a revista.