Eu vi isso no meu avô pouco antes de ele morrer: o mundo, de certa forma, perdera o sentido para ele, todos seus amigos e boa parte de sua geração não existiam mais, o mundo em que ele vivera estava extinto e ele vivia deslocado no nosso mundo.
Eu achei que ia demorar ainda uns dez anos para eu começar a viver o mesmo drama, mas aos poucos eu também entrei no filão de enterrar os amigos, rumo inevitável a não ser que a gente seja o primeiro da fila a bater as botas (e eu sempre achei que seria). Há alguns anos foi uma amiga, com câncer aos trinta anos. Agora, como confirmação do rumo inevitável, outro amigo, ainda com trinta e poucos, num incidente envolvendo uma cobra, uma poça de água e uma descarga elétrica inesperada.
O fato é que sou um frouxo e não consegui resistir à pressão quando o velório começou a encher e encher mais na madrugada quente. Eu não estava servindo de muito consolo para a família e me sentia intimidado pela presença cada vez maior de pessoas, a grande maioria que eu nem conhecia.
Fui para casa achando que não ia dormir, mas acabei apagando e tendo um sonho. Com o defunto, é claro, que não me saía da cabeça. Nele, o Francke tinha reaberto seu bar, só que agora no centro da cidade, ao invés da Lagoa. Então eu saía do velório e ia para o bar e ficava lá bebendo e pensando no falecido, quando decidi dar uma volta.
Saí do bar ali pelo Largo da Alfândega e tomei a Conselheiro Mafra, destinado a ir até a loja de jogos que eu costumava frequentar com o morto. Lá, para minha surpresa, encontro a loja semi-aberta, no meio da madrugada, com um aviso na porta de ferro dizendo que estavam em luto. Bem, acho que já souberam da notícia, eu penso.
Ouço um barulho de passos do outro lado e alguém erguer os ferros e, para minha surpresa, sai o amigo defunto caminhando lá de dentro, com a mesmo roupa que eu o vira no caixão algumas horas antes. Como? eu pergunto, e ele me explica que tudo fora um engano, um sósia dele que passava por acaso e entrara em sua casa, morrendo no quintal e sendo confundido com ele por parentes e amigos, enquanto ele tinha ido dar uma volta na praia de depois um pulo na loja de jogos. O luto na loja era por um tio árabe dos donos.
Impressionado com a explicação eu o convido para ir ao bar tomar umas geladas e acordo. O silêncio da noite abafada estava lá, no escuro, confirmando para mim incoerência do sonho. O que mais me impressiona é a capacidade de nossas cabeças trabalharem contra nós mesmos maquinando a negação daquilo que não desejamos.
27/01/2011
18/01/2011
A castração química de Thomas T.
Tinha esse amigo que era o mais empolgado de todos os caras, sempre disposto a ajudar a carregar alguma coisa, organizar um grupo de pessoas ou o que quer que precisasse ser feito. Ele sofria de uma ânsia incomum por movimento, uma compulsão em ver tudo agitado e caía em profundo tédio quando o ambiente estava por demais parado.
Thomas também não conseguia se aguentar ao ver qualquer mulher, ele logo a cercava e assediava por horas a fio, normalmente sem muito sucesso. No desespero por conseguir parceiras ele aprendeu diversas danças eróticas e técnicas sexuais avançadas em cursos pela internet. Era consenso entre todos nós que o que ele realmente precisava era de uma boa castração, que o deixaria mais calmo, menos afoito.
Mesmo com todo empenho ele, quando raramente arranjava uma mulher, não conseguia mantê-la por muito tempo, pois elas logo o abandonavam reclamando de suas manias estranhas como uivar pra lua, ou pedir para a garota subir no telhado ou tocar um trombone enferrujado.
Chegamos a comprar, então, algumas ampolas de Acetato de Medroxiprogesterona, que é muito usado não só por homens que fazem a mudança de sexo para serem mulher, e são dez mil pessoas que já fizeram a cirurgia no Brasil, como também para a castração química de meliantes sexuais.
Tudo veio numa caixa discreta endereçada ao senhor Turbando e ele iniciou o tratamento, mas parou quando os pelos dos braços começaram a cair. Então voltou a ser o velho irriquieto incorrigível que sempre conhecêramos e concluímos, por fim, que não haveria cura.
Para nossa surpresa o encontramos quando saímos numa noite pela cidade em uma busca infrutífera por qualquer bar aberto depois das duas manhã. Como não era fim de semana e Floripa há muito já decaíra daquele auge dos anos 90, onde podíamos contar com um bar 24h aberto do lado de casa, não achamos nada e acabamos parando numa ruela para descansar. Era três horas da manhã e ele vinha andando com um cachorrinho minúsculo, que sentira súbita vontade de urinar no meio da madrugada. Estava assombrosamente calmo, falava devagar, não sabíamos se oprimido pelo sono ou potente medicação. Então nos contou que casara, e a mulher foi aos poucos ocupando a vida e a casa dele, o armário do banheiro, a cozinha, a sala, aquilo que ele devia pensar, até que ele se reduziu a um mero fantasma. Foi aí que descobrimos o grande poder do casamento, a mais antiga e tradicional forma de castração.
Thomas também não conseguia se aguentar ao ver qualquer mulher, ele logo a cercava e assediava por horas a fio, normalmente sem muito sucesso. No desespero por conseguir parceiras ele aprendeu diversas danças eróticas e técnicas sexuais avançadas em cursos pela internet. Era consenso entre todos nós que o que ele realmente precisava era de uma boa castração, que o deixaria mais calmo, menos afoito.
Mesmo com todo empenho ele, quando raramente arranjava uma mulher, não conseguia mantê-la por muito tempo, pois elas logo o abandonavam reclamando de suas manias estranhas como uivar pra lua, ou pedir para a garota subir no telhado ou tocar um trombone enferrujado.
Chegamos a comprar, então, algumas ampolas de Acetato de Medroxiprogesterona, que é muito usado não só por homens que fazem a mudança de sexo para serem mulher, e são dez mil pessoas que já fizeram a cirurgia no Brasil, como também para a castração química de meliantes sexuais.
Tudo veio numa caixa discreta endereçada ao senhor Turbando e ele iniciou o tratamento, mas parou quando os pelos dos braços começaram a cair. Então voltou a ser o velho irriquieto incorrigível que sempre conhecêramos e concluímos, por fim, que não haveria cura.
Para nossa surpresa o encontramos quando saímos numa noite pela cidade em uma busca infrutífera por qualquer bar aberto depois das duas manhã. Como não era fim de semana e Floripa há muito já decaíra daquele auge dos anos 90, onde podíamos contar com um bar 24h aberto do lado de casa, não achamos nada e acabamos parando numa ruela para descansar. Era três horas da manhã e ele vinha andando com um cachorrinho minúsculo, que sentira súbita vontade de urinar no meio da madrugada. Estava assombrosamente calmo, falava devagar, não sabíamos se oprimido pelo sono ou potente medicação. Então nos contou que casara, e a mulher foi aos poucos ocupando a vida e a casa dele, o armário do banheiro, a cozinha, a sala, aquilo que ele devia pensar, até que ele se reduziu a um mero fantasma. Foi aí que descobrimos o grande poder do casamento, a mais antiga e tradicional forma de castração.
13/01/2011
Esforço
Estava quase conseguindo quando vem aquela batida na porta: “Fonjic, Fonjic! Anda logo, quero usar o banheiro também!”. Senti a concentração desabando. Todo o esforço perdido e teria que recomeçar tudo de novo. “Calma, tô quase acabando”, menti.
No calor, o suor me escorria já pelas têmporas e a imaginação não colaborava comigo dando asas a longos devaneios. Viagens de férias, memórias de juventude, estatísticas furadas, tudo vinha como um jorro.
Lembrei da vez em que fui comprar um imóvel e encontrei um lugar cheio de bolor nas paredes, cheiro insuportável de mofo, paredes embolotadas e pintura estufada, pedaços de concreto faltando numa viga acima de nossas cabeças que sustentava todo o prédio acima. A corretora foi gentil comigo e me poupou do constrangimento dizendo ela mesma que se recusava a vender um imóvel assim. Fomos embora e fiquei dois dias me coçando por causa de algo naquele ar. Notei os arranhões na porta de entrada e não pude deixar de pensar que o antigo morador fora morto por algum acerto de gangue ou algo assim. Era o imóvel mais barato da cidade e ainda assim eu precisaria de empréstimo, uma vida inteira se ferrando e nem um cafofo infecto daqueles eu tinha dinheiro para comprar. Ainda hoje me dá coceiras e medo ao lembrar do lugar.
Nova batida na porta. Nova mentira. Novo início.
Na vida moderna sempre tem alguém batendo na porta. Ou telefonando. Ou mandando email, tuíter, vendendo tapoé ou recolhendo longuinetes, seja lá o que quer que fossem isso.
Lembra, meu amigo, quando as coisas eram mais simples? Quando podíamos nos jogar pro meio do mato depois da aula e ficar lá bebendo e contando histórias de terror, e depois você acordava apavorado, sozinho no escuro, gritando para que fôssemos te socorrer porque a menina da faca estava por lá para te pegar? Ou quando o doravante chamado Roosevelt desmaiou ao avistar um de nós coberto com um lençol se fazendo passar por fantasma?
Ah, eram tempos ridículos aqueles, eu sei, mas ainda assim cheios de vitalidade e energia. A juventude é um fonte inesgotável de dor, sofrimento e alegria, tudo ali misturado e muito intenso, a qual passamos o resto da vida tentando retornar, como um fumante de crack buscando repetir a euforia da primeira fumada, morrendo rapidamente nessa busca.
Novamente a batida da porta. “Anda logo Fonjic, porque a demora? Não está com uma das suas revistas aí, não?”. “É claro que não, me deixa em paz”, respondi, escondendo instintivamente a revista.
No calor, o suor me escorria já pelas têmporas e a imaginação não colaborava comigo dando asas a longos devaneios. Viagens de férias, memórias de juventude, estatísticas furadas, tudo vinha como um jorro.
Lembrei da vez em que fui comprar um imóvel e encontrei um lugar cheio de bolor nas paredes, cheiro insuportável de mofo, paredes embolotadas e pintura estufada, pedaços de concreto faltando numa viga acima de nossas cabeças que sustentava todo o prédio acima. A corretora foi gentil comigo e me poupou do constrangimento dizendo ela mesma que se recusava a vender um imóvel assim. Fomos embora e fiquei dois dias me coçando por causa de algo naquele ar. Notei os arranhões na porta de entrada e não pude deixar de pensar que o antigo morador fora morto por algum acerto de gangue ou algo assim. Era o imóvel mais barato da cidade e ainda assim eu precisaria de empréstimo, uma vida inteira se ferrando e nem um cafofo infecto daqueles eu tinha dinheiro para comprar. Ainda hoje me dá coceiras e medo ao lembrar do lugar.
Nova batida na porta. Nova mentira. Novo início.
Na vida moderna sempre tem alguém batendo na porta. Ou telefonando. Ou mandando email, tuíter, vendendo tapoé ou recolhendo longuinetes, seja lá o que quer que fossem isso.
Lembra, meu amigo, quando as coisas eram mais simples? Quando podíamos nos jogar pro meio do mato depois da aula e ficar lá bebendo e contando histórias de terror, e depois você acordava apavorado, sozinho no escuro, gritando para que fôssemos te socorrer porque a menina da faca estava por lá para te pegar? Ou quando o doravante chamado Roosevelt desmaiou ao avistar um de nós coberto com um lençol se fazendo passar por fantasma?
Ah, eram tempos ridículos aqueles, eu sei, mas ainda assim cheios de vitalidade e energia. A juventude é um fonte inesgotável de dor, sofrimento e alegria, tudo ali misturado e muito intenso, a qual passamos o resto da vida tentando retornar, como um fumante de crack buscando repetir a euforia da primeira fumada, morrendo rapidamente nessa busca.
Novamente a batida da porta. “Anda logo Fonjic, porque a demora? Não está com uma das suas revistas aí, não?”. “É claro que não, me deixa em paz”, respondi, escondendo instintivamente a revista.
06/01/2011
Bons tempos (5)
Naquele verão de 1997 descobrimos que a mulher perfeita morava em nosso prédio. Voz suave, pele morena, busto generoso, pernas compridas, quadris arredondados e... é melhor parar por aqui antes que me empolgue. O melhor de tudo é que ela vivia no apartamento em cima do nosso e Washington, que não morava lá em casa mas fora passar o fim de semana e já lá estava três meses, na hora ficou doido pela menina.
Quer dizer, todos nós ficamos doidos por ela, mas ele decidiu que não podia esperar, tinha que bolar um jeito de se aproximar urgente. Vimos ela pela primeira vez no pátio do prédio, com roupas suaves de verão, havia esquecido das chaves e gritava para a colega de quarto: “Jaci, joga as chaves! Joga as chaves!”
Washington, de fato, não demorou para maquinar um plano e botar em andamento. No dia seguinte tomou banho, se perfumou, procurou na lista telefônica e ligou para o andar de cima se fazendo passar por alguém que ela conhecera numa festa, sob o nome falso de Roosevelt. Ficávamos apenas escutando o que ele dizia e rindo, com a certeza que o treco não iria dar certo: “Oi Jaci, tudo bem?... como assim quem é, não lembra de mim?... não reconhece minha voz?... é o Roosevelt, nos conhecemos naquela festa, lembra?... pois é, a gente tinha bebido um monte e você nem lembra?... eu queria te rever, onde você mora?”.
A cara de pau com que ele ia inventando desculpas e dando em cima da garota era um feito épico, e ríamos no chão ouvindo tudo quando, para nossa surpresa, ele não só tinha conseguido convencer a garota daquela farsa toda, como ainda marcara um encontro em meia hora na casa dela.
Foi a meia hora mais longa do mundo. Por fim ele saiu de casa, foi até a esquina e voltou caminhando, como quem não conhecesse o lugar. Tocou o interfone dela. Ela atendeu e pediu que ele ligasse pro pessoal debaixo porque o aparelho dela tinha defeito, de forma que, por ironia, ainda fomos nós que abrimos para ele entrar.
O encontro transcorria lá em cima já há bastante tempo quando bolamos a sacanagem. Ligamos para ela dizendo que éramos amigo do Roosevelt e ele tinha deixado o número dela para ligarmos, pois a esposa dele estava na maternidade e ia dar a luz.
Logo ele saiu e fomos encontrá-lo para rir dele, mas descobrimos que nossa sacanagem, na verdade, o salvara, pois ao invés de marcar o encontro com a musa, ele marcara com sua colega de quarto, Jaci, cujo nome ele ouvira e gravara achando ser dela, e não desfrutava nem um pouco daquelas belas qualidades.
Quer dizer, todos nós ficamos doidos por ela, mas ele decidiu que não podia esperar, tinha que bolar um jeito de se aproximar urgente. Vimos ela pela primeira vez no pátio do prédio, com roupas suaves de verão, havia esquecido das chaves e gritava para a colega de quarto: “Jaci, joga as chaves! Joga as chaves!”
Washington, de fato, não demorou para maquinar um plano e botar em andamento. No dia seguinte tomou banho, se perfumou, procurou na lista telefônica e ligou para o andar de cima se fazendo passar por alguém que ela conhecera numa festa, sob o nome falso de Roosevelt. Ficávamos apenas escutando o que ele dizia e rindo, com a certeza que o treco não iria dar certo: “Oi Jaci, tudo bem?... como assim quem é, não lembra de mim?... não reconhece minha voz?... é o Roosevelt, nos conhecemos naquela festa, lembra?... pois é, a gente tinha bebido um monte e você nem lembra?... eu queria te rever, onde você mora?”.
A cara de pau com que ele ia inventando desculpas e dando em cima da garota era um feito épico, e ríamos no chão ouvindo tudo quando, para nossa surpresa, ele não só tinha conseguido convencer a garota daquela farsa toda, como ainda marcara um encontro em meia hora na casa dela.
Foi a meia hora mais longa do mundo. Por fim ele saiu de casa, foi até a esquina e voltou caminhando, como quem não conhecesse o lugar. Tocou o interfone dela. Ela atendeu e pediu que ele ligasse pro pessoal debaixo porque o aparelho dela tinha defeito, de forma que, por ironia, ainda fomos nós que abrimos para ele entrar.
O encontro transcorria lá em cima já há bastante tempo quando bolamos a sacanagem. Ligamos para ela dizendo que éramos amigo do Roosevelt e ele tinha deixado o número dela para ligarmos, pois a esposa dele estava na maternidade e ia dar a luz.
Logo ele saiu e fomos encontrá-lo para rir dele, mas descobrimos que nossa sacanagem, na verdade, o salvara, pois ao invés de marcar o encontro com a musa, ele marcara com sua colega de quarto, Jaci, cujo nome ele ouvira e gravara achando ser dela, e não desfrutava nem um pouco daquelas belas qualidades.
04/01/2011
O fim de uma década
É aí que você se toca que está acabando a primeira década do século e do milênio e decide dar algum significado a isso. Por um lado foi a década em que o país saiu do atraso e ganhou um rumo, ajudado pelo bondoso bônus demográfico, que sugere mais umas boas décadas pela frente. Por outro, você percebe que não tem muito sentido celebrar uma efeméride cronológica, afinal, a rigor, a mudança da meia-noite é exatamente igual a qualquer mudança de um minuto para outro.
Mas aí você percebe que a grande sacada é isso mesmo, o mundo e a vida não existe com um destino ou objetivo traçado à priori, não existe por fruto de planejamento e você, ser humano moderno, não precisa rastejar temendo forças invisíveis, tem o poder de decidir seu destino e o interesse ou não de criar uma sociedade onde todos possam desfrutar de uma vida melhor. Portanto se você decidir celebrar a virada de ano, é um bom motivo para festa como qualquer outro, então por que não?
Aí você resolve fazer como os gringos e criar uma lista de resoluções de fim de ano, promessas a si mesmo de coisas que não fará ou fará no ano seguinte. Depois de intenso debate com as vozes internas de seu cérebro você assume três compromissos para o ano que vem: não irá mais rolar bêbado no chão, não irá flertar com a mulher do chefe se ela usar decotes, como na última vez em que foi demitido, e não dará mais vexames em festas.
O único senão em sua lista é que todos os itens estão na negativa, começam com um não. Mas então você se lembra de Axel Honneth em sua gramática moral do conflito social, da forma como ele advoga que toda a negatividade é, por fim, geradora de um conflito que, se resolvido, instaura uma nova positividade, superior àquela anterior. Ou seja, a negatividade é a própria forma pela qual as pessoas, ao se verem negadas como sujeitos plenos, entram em conflito com o outro, negando com isso também a integridade moral daquele outro até que, pelo reconhecimento mútuo, as partes cheguem por fim a um novo patamar.
Como um meme voraz essa idéia sedimenta a decisão em seu cérebro e você parte enfim despreocupado para a festa de fim de ano. Será o melhor ano de sua vida e você bebe até cair no chão e não conseguir mais falar direito. Aí vem aquela mulher incrível que seu chefe desposou e você ataca ela, logo depois subindo na mesa para uma dança sem roupas.
Você acorda no dia seguinte numa cela, de ressaca e sem emprego. Não foi dessa vez que você cumpriu as resoluções. Mas, quem sabe ano que vem...
Mas aí você percebe que a grande sacada é isso mesmo, o mundo e a vida não existe com um destino ou objetivo traçado à priori, não existe por fruto de planejamento e você, ser humano moderno, não precisa rastejar temendo forças invisíveis, tem o poder de decidir seu destino e o interesse ou não de criar uma sociedade onde todos possam desfrutar de uma vida melhor. Portanto se você decidir celebrar a virada de ano, é um bom motivo para festa como qualquer outro, então por que não?
Aí você resolve fazer como os gringos e criar uma lista de resoluções de fim de ano, promessas a si mesmo de coisas que não fará ou fará no ano seguinte. Depois de intenso debate com as vozes internas de seu cérebro você assume três compromissos para o ano que vem: não irá mais rolar bêbado no chão, não irá flertar com a mulher do chefe se ela usar decotes, como na última vez em que foi demitido, e não dará mais vexames em festas.
O único senão em sua lista é que todos os itens estão na negativa, começam com um não. Mas então você se lembra de Axel Honneth em sua gramática moral do conflito social, da forma como ele advoga que toda a negatividade é, por fim, geradora de um conflito que, se resolvido, instaura uma nova positividade, superior àquela anterior. Ou seja, a negatividade é a própria forma pela qual as pessoas, ao se verem negadas como sujeitos plenos, entram em conflito com o outro, negando com isso também a integridade moral daquele outro até que, pelo reconhecimento mútuo, as partes cheguem por fim a um novo patamar.
Como um meme voraz essa idéia sedimenta a decisão em seu cérebro e você parte enfim despreocupado para a festa de fim de ano. Será o melhor ano de sua vida e você bebe até cair no chão e não conseguir mais falar direito. Aí vem aquela mulher incrível que seu chefe desposou e você ataca ela, logo depois subindo na mesa para uma dança sem roupas.
Você acorda no dia seguinte numa cela, de ressaca e sem emprego. Não foi dessa vez que você cumpriu as resoluções. Mas, quem sabe ano que vem...
Assinar:
Postagens (Atom)