15/09/2010

A arte de atropelar locomotivas

Eu costumava a acreditar que era eu quem tinha abandonado e desistido da televisão, dos jornalões emplumados e revistas semanais que se pretendem nacionais, mas só agora entendi que foi ao contrário, foram eles que desistiram de mim.
A conta é muito simples, é mais lucrativo investir num conteúdo simplório e de baixo custo, vendendo a uma parcela menor de consumidores, do que gastar dez vezes mais produzindo conteúdo decente para dobrar as vendas atingindo o consumidor que queira algum conteúdo. É um processo que se estende desde televisões que deixam de fazer programação pensada para executar programas de auditório e reality shows, que têm baixo custo e exigem apenas uma câmera na mão e nenhuma idéia na cabeça, até os jornais que substituíram o jornalismo por um exercício banal de denuncismo vazio: grampo sem áudio, vídeo sem imagem e por aí vai, qualquer coisa que os ajude a vender.
É um desespero agravado pela revolução digital. Todo novo meio de comunicação, quando surge, causa certo impacto nos demais, que vai se diluindo com o tempo. O rádio não acabou com o jornal, o cinema não acabou com o rádio, nem a tevê acabou com o cinema. Os meios tradicionais suportaram bem a internet que já chega agora ao fim da adolescência e se prepara para a maioridade.
Mas nos últimos anos, por uma série de erros de planejamento e decisões erradas das empresas de televisão e jornalismo, o processo se acentuou. Os jornais abandonaram os princípios do jornalismo para tentar manter o público que consideravam fiel, mas, com isso, aqueles que vendiam 1,5 milhão de cópias nos anos 90, agora vendem um décimo disso. São obrigados a distribuir exemplares de graça em postos de gasolina e shopping centers. Foram atropelados por jornais locais e pela difusão da informação em blogs e redes sociais. Antes eram os blogs que repetiam notícias de jornais, hoje é o contrário, são os jornais que repetem os blogs e twitters mais comentados.
A Gazeta Mercantil já fechou as portas. Agora é a vez do Jornal do Brasil, que passou a existir somente na internet. Os grandes jornalões restantes vivem basicamente de compras feitas por governos estaduais sem licitação, em troca, é claro, de apoio aos mesmos no período eleitoral. Coisa que vemos agora, em que sai um escândalo diferente por dia e nunca o conteúdo da matéria corrobora a denúncia na manchete.
Enquanto isso, a internet passa, pela primeira vez, a mídia tradicional no faturamento de publicidade. RIP.

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