Recentemente agora teve um canal de tevê fechada que exibiu um docuficção, isto é, um filme ficcional com a roupagem de documentário tradicional. Não foi a primeira vez, na outra o tema fora dragões e nesta o tema foi sereias, dando tratamento aos seres lendários como se realmente existissem. E nas duas vezes a resposta surpreendente do público (ok, nem tanto) foi acreditar que aqueles seres realmente existiam.
Isso é uma preocupação constante de quem produz ficção. O sujeito vê um filme de guerra e vai pro bar bater papo crente que a guerra foi mesmo como no filme. Exemplos recentes incluem a devolução de iraquianos de uma americana ferida, que foi retratada em filme como se ela fosse resgatada dos iraquianos malignos. É uma canalhice sem tamanho, como o que fazem agora na Líbia.
O jornalismo é, normalmente, muito mais ficcional que a literatura, com a diferença que a literatura se diz ficção para tentar escoar não-ficção, enquanto o jornalismo faz o inverso. Nesse mundo de ninguém sabe quem come quem não é de se admirar que o leitor fique confuso.
Peguemos, por exemplo, a imagem acima nestas plúmbeas folhas. Em nenhum lugar está escrito que se trata de foto do autor ou algo assim, embora induza a maioria a pensar nisso. Apenas muitos poucos perceberão que se trata, na verdade, de uma ator contratado, uma personagem, como as que passam por estas linhas. O ator tem cerca de meio metro a mais que eu e uns cem quilos a menos. Ele tem a vantagem de não ser careca como eu, mas ainda assim teve que usar uma peruca para se enquadrar no figurino. O visual todo é uma montagem, uma colagem. Os cabelos são uma peruca de Gal Costa, em homenagem ao gosto musical da mãe do autor. A roupa preta foi tirada de um colega de adolescência, o vulgo Iói, figura folclórica dos anos 90 de Floripa. Os óculos vermelhos do bom amigo Paulo, hoje hospitalizado por causa do trânsito selvagem que temos. A barba era para ser mais longa e grisalha, mas as lojas que vendem esses itens não tem um estoque muito variado, então tivemos que nos contentar com essa mesmo.
Em suma a maioria das pessoas, principalmente nos dias de hoje, vive da imagem, tende a acreditar na imagem e achar que seus olhos nunca o enganam , quando são vítimas de fraudes 24 horas por dia. Nunca se deve acreditar em um escritor, embora ele não minta, não me leve a mal, apenas inventa verdades ficcionais, que é aquilo para o que é pago, ou não pago, na maioria das vezes. E pessoanamente finge a dor que deveras sente.
25/03/2011
17/03/2011
E matas o gato, o rato e o homem
Confesso, para meu próprio assombro, certo prazer de andar em cemitérios. Os mortos, na verdade, são bem melhores companhia que os vivos, mais silenciosos, na maioria das vezes. Mas meu assombro vem do fato de que acho condenável essa coisa toda de cemitérios: a carne ali embaixo da terra apodrecendo e poluindo rios, mangues e leitos de água. Tanto do ponto de vista sanitário quanto econômico, a coisa é uma loucura, mais sentido faz a incineração, que também permite os rituais fúnebres e tudo mais que a família do morto queira.
Mas acho que meu gosto por cemitérios vem de três fontes: os locais são geralmente limpos, silenciosos e vazios, um bom local para ler, ainda por cima com enfeites florais; a idéia de que pessoas comuns podem também ter seu monumento público, como as estátuas que tem pela cidade, e ter um epitáfio sobre si enfeitando aquele monumento pelo tempo que a família se dispuser a pagar e, por fim, meu gosto pelos velhos e antiquados filmes de terror.
Quando eu digo velhos, quero dizer os velhos mesmo, preto e branco, de preferência, com ponto extra se tiver sido produzido pela antiga Hammer. É claro que não há muita diferença com os filmes de hoje, ainda se trata de vampiros, lobisomens e bláblábla, exceto que naquela época vilão e mocinho se confrontavam para ganhar a atenção da mocinha e hoje as mulheres aprenderam a quebrar o pau ao invés de ficar gritando, e é a mocinha que enfrenta o vilão em disputa da atenção do mocinho.
Abomino os velórios. Acho que nossos velórios deveriam ser como os irlandeses, um grupo de bêbados amigos do finado enchendo a cara de cerveja a noite inteira e cantando músicas de bebum. Se eu fosse ter um velório assim, não escolheria para ele uma trilha sonora, mas sim uma trilha visual, um grande telão passando filmes direto para as pessoas terem algo para fazer enquanto comem e bebem ao invés de ficarem chorando em cima de mim.
Começaria, é claro, com o Sétimo Selo, clássico de Bergman, que sempre me interessou por causa da derrota proposital para a morte. Em seguida, meia-noite, tacaria a Noite dos mortos-vivos, o original de Romero, com aquele início perfeito dos irmãos no cemitério sendo atacados por zumbis. Então, no meio da madrugada, Nosferatu, de Murnau, só pra não perder a piada de amarrarem meu corpo numa roldana e o erguerem no meio do filme, no mesmo momento que o vampiro se ergue do caixão. Encerraria a madrugada com a Vida de Brian, só pela música final.
Mas acho que meu gosto por cemitérios vem de três fontes: os locais são geralmente limpos, silenciosos e vazios, um bom local para ler, ainda por cima com enfeites florais; a idéia de que pessoas comuns podem também ter seu monumento público, como as estátuas que tem pela cidade, e ter um epitáfio sobre si enfeitando aquele monumento pelo tempo que a família se dispuser a pagar e, por fim, meu gosto pelos velhos e antiquados filmes de terror.
Quando eu digo velhos, quero dizer os velhos mesmo, preto e branco, de preferência, com ponto extra se tiver sido produzido pela antiga Hammer. É claro que não há muita diferença com os filmes de hoje, ainda se trata de vampiros, lobisomens e bláblábla, exceto que naquela época vilão e mocinho se confrontavam para ganhar a atenção da mocinha e hoje as mulheres aprenderam a quebrar o pau ao invés de ficar gritando, e é a mocinha que enfrenta o vilão em disputa da atenção do mocinho.
Abomino os velórios. Acho que nossos velórios deveriam ser como os irlandeses, um grupo de bêbados amigos do finado enchendo a cara de cerveja a noite inteira e cantando músicas de bebum. Se eu fosse ter um velório assim, não escolheria para ele uma trilha sonora, mas sim uma trilha visual, um grande telão passando filmes direto para as pessoas terem algo para fazer enquanto comem e bebem ao invés de ficarem chorando em cima de mim.
Começaria, é claro, com o Sétimo Selo, clássico de Bergman, que sempre me interessou por causa da derrota proposital para a morte. Em seguida, meia-noite, tacaria a Noite dos mortos-vivos, o original de Romero, com aquele início perfeito dos irmãos no cemitério sendo atacados por zumbis. Então, no meio da madrugada, Nosferatu, de Murnau, só pra não perder a piada de amarrarem meu corpo numa roldana e o erguerem no meio do filme, no mesmo momento que o vampiro se ergue do caixão. Encerraria a madrugada com a Vida de Brian, só pela música final.
12/03/2011
Meu mundo cão
Eu não sei se é uma boa qualidade saber aceitar a derrota ou insistir teimosamente e fracassar ainda mais. Militarmente ambas as opções são válidas, mas são restritas apenas por uma questão de hierarquia. Ao bom soldade é valoroso nunca desisitir, mesmo frente à derrota, e morrer com bravura estraçalhado pelas granadas e metralhadoras inimigas, mesmo que o combate seja, à priori, uma morte certa, ordenada pelos superiores apenas para distrair o inimigo de outra operação em andamento.
Já o para o bom general ou oficial é o contrário, o valoroso é perceber quando a guerra está inevitavelmente perdida e saber jogar a toalha, declarar a rendição antes que o número de mortes entre soldados e civis aumente exponencialmente.
A diferença, então, entre ceder ao fracasso e morrer teimosamente é uma opção de classe, de hirarquia social, aos de baixo só resta a morte enquanto os do topo podem se dar ao luxo de fracassar e desfrutar das condições especiais de encarceramento para oficiais rendidos ao longo de toda a guerra.
Não é justo, eu sei, mas ninguém realmente acreditou que seria.
O problema maior começa, mesmo, quando estamos no fundo do poço da hierarquia social e percebemos que tudo que fizemos ao longo da vida redundou em fracasso. Você já andou tempo demais por aquele caminho para que seja viável voltar atrás, você morreria de velhice antes mesmo de voltar e conseguir escolher outra estrada. Só resta ficar andando em meio à poeira abandonada, rumando ainda mais ao fundo do abismo, ou sentar e puxar um palheiro e uma pinga e esperar o tempo passar.
Eu fico em dúvida se meu problema é porque fiquei tempo demais sem fazer nada aceitando o fracasso de minhas opções ou, pelo contrário, porque passei tempo demais sem perceber o fracasso e insistindo ainda mais em caminhar para aquele abismo final do qual não há saída nem fim.
Não é muito animador, eu sei, mas eu não achei que seria.
Acho que, no fim das contas, a regra do jogo é beneficiar o jogador profissional, aquele que está lá para vencer e obter o lucro máximo com o menor custo e tentar, à toda força, afundar aquele sujeito que não está nem aí para o jogo. Não adianta você explicar pacientemente que não quer jogar, que está mais preocupado com a guerra civil na Líbia e o levante trabalhista de Madison do que com o salário no fim do mês, pois eles baterão à sua porta, derrubarão sua casa, exigirão pontos de currículo ou de engenharia social. Exigirão que você jogue.
Nada funcionou, é verdade, mas eles acharam que iria.
Já o para o bom general ou oficial é o contrário, o valoroso é perceber quando a guerra está inevitavelmente perdida e saber jogar a toalha, declarar a rendição antes que o número de mortes entre soldados e civis aumente exponencialmente.
A diferença, então, entre ceder ao fracasso e morrer teimosamente é uma opção de classe, de hirarquia social, aos de baixo só resta a morte enquanto os do topo podem se dar ao luxo de fracassar e desfrutar das condições especiais de encarceramento para oficiais rendidos ao longo de toda a guerra.
Não é justo, eu sei, mas ninguém realmente acreditou que seria.
O problema maior começa, mesmo, quando estamos no fundo do poço da hierarquia social e percebemos que tudo que fizemos ao longo da vida redundou em fracasso. Você já andou tempo demais por aquele caminho para que seja viável voltar atrás, você morreria de velhice antes mesmo de voltar e conseguir escolher outra estrada. Só resta ficar andando em meio à poeira abandonada, rumando ainda mais ao fundo do abismo, ou sentar e puxar um palheiro e uma pinga e esperar o tempo passar.
Eu fico em dúvida se meu problema é porque fiquei tempo demais sem fazer nada aceitando o fracasso de minhas opções ou, pelo contrário, porque passei tempo demais sem perceber o fracasso e insistindo ainda mais em caminhar para aquele abismo final do qual não há saída nem fim.
Não é muito animador, eu sei, mas eu não achei que seria.
Acho que, no fim das contas, a regra do jogo é beneficiar o jogador profissional, aquele que está lá para vencer e obter o lucro máximo com o menor custo e tentar, à toda força, afundar aquele sujeito que não está nem aí para o jogo. Não adianta você explicar pacientemente que não quer jogar, que está mais preocupado com a guerra civil na Líbia e o levante trabalhista de Madison do que com o salário no fim do mês, pois eles baterão à sua porta, derrubarão sua casa, exigirão pontos de currículo ou de engenharia social. Exigirão que você jogue.
Nada funcionou, é verdade, mas eles acharam que iria.
03/03/2011
Na saia da infância
O que aconteceu com a minissaia? Hoje em dia é tão raro ver alguém usá-la. Símbolo máximo do poder e da liberação feminina que veio com a segunda onda do feminismo na década de 1960 (a primeira onda pelo direito de votar, no século XIX, e a terceira sobre as relações culturais de raça e classe, nos 1980 e 90), foi ela que me estimulou desde a infância ao feminismo precoce e à crença de que eu vivia numa época especial, que a tendência de futuro eram as roupas encolherem cada vez mais.
Mas, desde então, o que aconteceu? Nada. Pior que nada: retrocesso. As roupas voltaram a crescer e tapar tudo e aquele sonho de infância que eu nutria para minha vida adulta ruiu junto. É claro que há um lado bom na história, porque aqueles shortinhos masculinos justíssimos também sumiram, então não preciso mais andar por aí com minhas coxas à mostra, e pior, tendo que vislumbrar a coxa alheia.
Mas voltemos ao foco da minissaia, que é assunto mais agradável que as coxas de outrem. O fato é que ainda nos anos 80 lembro dela causando certo escândalo e sensacionalismo em nossa imprensa, embora no exterior ela já tivesse se consolidado muito tempo antes. Em 1972, até o conde Drácula mergulhava de cabeça na minissaia com o filme clássico da Hammer, estrelando Christopher Lee como Drácula e Peter Cushing como Van Helsing, é claro, que por aqui ganhou a bela tradução de “Drácula no Mundo da Mini-Saia”. Aliás, nosso Zé do Caixão não deixava por menos por aqui e não faltavam minissaias em seus belos filmes da época.
A minissaia padeceu dos males da moda. Ao invés de se fincar como tendência irreversível, foi só mais um modismo que passou e pouco se vê pelas ruas, retirou-se ao ambiente de boates. Quando por sorte avistamos alguma na rua, geralmente carrega consigo as marcas de época de quando esteve no auge, isto é, a pessoa que a usa é porque foi jovem nos anos 60 e ainda hoje recorre ao velho vestido de guerra. Se já se tem a dificuldade de a portadora da mini-saia normalmente estar acima dos cinquenta, acresce ainda nestes tempos de carnaval que a maioria das pessoas com minissaia é homem.
Tristes tempos esses em que até o carnaval foi vítima do retrocesso nos costumes e já não se vê mais seios à mostra nem gente sem roupa dançando na rua ou passarela. Foi algo que perdemos no caminho, a perda daquela inocência alegre de andar sem roupas. A ir nesse ritmo ficará melhor o Mardi Gras, o carnaval de Nova Orleans, onde se consolida a tradição de levantar a blusa por um colar de contas.
Mas, desde então, o que aconteceu? Nada. Pior que nada: retrocesso. As roupas voltaram a crescer e tapar tudo e aquele sonho de infância que eu nutria para minha vida adulta ruiu junto. É claro que há um lado bom na história, porque aqueles shortinhos masculinos justíssimos também sumiram, então não preciso mais andar por aí com minhas coxas à mostra, e pior, tendo que vislumbrar a coxa alheia.
Mas voltemos ao foco da minissaia, que é assunto mais agradável que as coxas de outrem. O fato é que ainda nos anos 80 lembro dela causando certo escândalo e sensacionalismo em nossa imprensa, embora no exterior ela já tivesse se consolidado muito tempo antes. Em 1972, até o conde Drácula mergulhava de cabeça na minissaia com o filme clássico da Hammer, estrelando Christopher Lee como Drácula e Peter Cushing como Van Helsing, é claro, que por aqui ganhou a bela tradução de “Drácula no Mundo da Mini-Saia”. Aliás, nosso Zé do Caixão não deixava por menos por aqui e não faltavam minissaias em seus belos filmes da época.
A minissaia padeceu dos males da moda. Ao invés de se fincar como tendência irreversível, foi só mais um modismo que passou e pouco se vê pelas ruas, retirou-se ao ambiente de boates. Quando por sorte avistamos alguma na rua, geralmente carrega consigo as marcas de época de quando esteve no auge, isto é, a pessoa que a usa é porque foi jovem nos anos 60 e ainda hoje recorre ao velho vestido de guerra. Se já se tem a dificuldade de a portadora da mini-saia normalmente estar acima dos cinquenta, acresce ainda nestes tempos de carnaval que a maioria das pessoas com minissaia é homem.
Tristes tempos esses em que até o carnaval foi vítima do retrocesso nos costumes e já não se vê mais seios à mostra nem gente sem roupa dançando na rua ou passarela. Foi algo que perdemos no caminho, a perda daquela inocência alegre de andar sem roupas. A ir nesse ritmo ficará melhor o Mardi Gras, o carnaval de Nova Orleans, onde se consolida a tradição de levantar a blusa por um colar de contas.
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