Ele andava pelo centro da cidade nervoso ultimamente, concentrado em sua última idéia fixa: períneos. Não quaisquer períneos, ele pensava em períneos elásticos em que ele pudesse cravar os dentes e puxar com força, desprezando os buracos ali marginalmente estacionados e sem uso.
Passava a manhã inteira no trabalho com a idéia a lhe martelar a cabeça, que o perseguia no almoço, no trabalho da tarde e na ida para casa. Podia sentir o aroma do períneo, sentir sua carne macia em meio aos dentes, esticando, esticando. Imaginava os dedos passeando pelas partes ao redor do períneo, como numa lenta preparação de terreno. Podia quase sentir-se deslizando sobre o intrólito vaginal, seguindo para o ísquio cavernoso e o músculo bulbocavernoso enquanto ela esperaria numa agonia tensa.
Em seguida deslizaria os dedos pelos períneo, seguindo o caminho pelo músculo transverso profundo, apertando então com força as carnes glúteas até sentir, de forma quase que sobrenatural, a tuberosidade isquiática.
Ele tentava em vão apagar as cenas da cabeça e pensar em outra coisa. Pensava numa chupada, numa boca e garganta gigantescas em que coubesse o pau todo e ainda os testículos, mas nem isso lhe fazia esquecer a idéia de um períneo feminino lhe chamando.
Ia almoçar e via os pequenos bifinhos do restaurante, quase que do tamanho e espessura de períneos. Períneos fritos no almoço. Também o macarrão de tubo, já achatado e esmagado, períneo ao molho sugo.
Ele sentia que a idéia o devorava, consumia, como uma chama que destrói um fósforo. Passou a carregar uma faca em seu bolso, disposto a atacar uma mulher qualquer que andasse a sós numa rua do centro e cortar-lhe a pequena carnezinha para que ele pudesse levar e guardar. Ele precisava encontrar o produto certo para tratar os tecidos que compunham a carne humana, de forma que aquele seu tesouro pudesse se conservar fresco e macio para sempre, ao invés de duro e emborrachado, como costuma acontecer com os embalsamados.
Um dia, no trabalho, sentiu um clique qualquer na cabeça e, quando olhou em volta, viu que a secretária que se aproximava se transformara num gigantesco períneo, assim como todas as outras mulheres que via. E assim pôde, novamente, se reconciliar com o mundo e viver uma vida normal e feliz, rodeado de períneos por todos os lados.
26/12/2010
15/12/2010
Malditos Escritores!
Nós escritores somos realmente grandes trouxas, os escritores homens, pois escritoras mulheres são mais espertas, como via de regra acontece com as mulheres.
O fato é que o escritor é facilmente seduzido por promessas vãs e mulheres perversas. É a desforra irônica do mundo que aquele que se dedica a perceber as nuances e minúcias e contradições da vida cotidiana acabe sendo vitimado por essa mesma gama de detalhes e incongruências.
Tinha esse escritor amigo meu que dizia que não conseguia largar a mulher porque ela o fazia sofrer como um cão. E sofrendo, ele se inspirava e escrevia mais. De forma que o dilema dele é que se largasse a mulher se tornaria um sujeito mais feliz e, com isso, um bloqueio lhe viria e pararia de escrever. A decisão é difícil e injusta, ninguém deveria ter que tomá-la, escolher entre sua profissão e uma vida de tormentos ou a liberdade que o impede de escrever, uma vitória insípida. Por fim fiquei feliz em saber que ele acabou com o sofrimento e terminou com ela. Embora, no fim das contas, ele realmente estava certo, porque nunca mais escreveu nada nestes anos desde então.
Já outro amigo era um trouxa com as loiras. Não podia ver uma loira que faria absolutamente qualquer coisa que ela pedisse. Colecionava na memória uma longa lista de mulheres pelas quais se apaixonara e extraía daí seu material de escrita.
O mais triste de todos, no entanto, caíra numa cilada. Casara-se com uma mulher cruel, vingativa, que procurava sabotar cada passo dele. Era triste visitá-los. Se ele guardava um uísque no armário para tomar numa ocasião especial, ela mudava de lugar, de forma que ele não encontrasse. Sua carteira com dinheiro, que ele normalmente deixava em cima de uma cômoda, ela, só por prazer perverso de atrapalhá-lo, movia sempre para um cabide, de forma que ele nunca achava o dinheiro quando precisava.
Dia e noite ela foi cavando trincheiras na guerra fria que era aquela convivência, avançando meio metro cada dia, deixando cada vez menos espaço para que ele pudesse viver e respirar. A filha de sete anos, que ele trouxera de outro casamento, era tratada com um misto de ódio e desprezo. Não que ela maltratasse a criança, pois era esperta demais para isso, mas destilava de forma mais sutil suas maldades. Uma delas era dar à criança tarefas e responsabilidades que ela sabia que não poderiam ser feitas, culpando depois a coitada pelo fracasso. Torturava a criança para atingir o pai. E a vida se tornava, cada dia, pior.
O fato é que o escritor é facilmente seduzido por promessas vãs e mulheres perversas. É a desforra irônica do mundo que aquele que se dedica a perceber as nuances e minúcias e contradições da vida cotidiana acabe sendo vitimado por essa mesma gama de detalhes e incongruências.
Tinha esse escritor amigo meu que dizia que não conseguia largar a mulher porque ela o fazia sofrer como um cão. E sofrendo, ele se inspirava e escrevia mais. De forma que o dilema dele é que se largasse a mulher se tornaria um sujeito mais feliz e, com isso, um bloqueio lhe viria e pararia de escrever. A decisão é difícil e injusta, ninguém deveria ter que tomá-la, escolher entre sua profissão e uma vida de tormentos ou a liberdade que o impede de escrever, uma vitória insípida. Por fim fiquei feliz em saber que ele acabou com o sofrimento e terminou com ela. Embora, no fim das contas, ele realmente estava certo, porque nunca mais escreveu nada nestes anos desde então.
Já outro amigo era um trouxa com as loiras. Não podia ver uma loira que faria absolutamente qualquer coisa que ela pedisse. Colecionava na memória uma longa lista de mulheres pelas quais se apaixonara e extraía daí seu material de escrita.
O mais triste de todos, no entanto, caíra numa cilada. Casara-se com uma mulher cruel, vingativa, que procurava sabotar cada passo dele. Era triste visitá-los. Se ele guardava um uísque no armário para tomar numa ocasião especial, ela mudava de lugar, de forma que ele não encontrasse. Sua carteira com dinheiro, que ele normalmente deixava em cima de uma cômoda, ela, só por prazer perverso de atrapalhá-lo, movia sempre para um cabide, de forma que ele nunca achava o dinheiro quando precisava.
Dia e noite ela foi cavando trincheiras na guerra fria que era aquela convivência, avançando meio metro cada dia, deixando cada vez menos espaço para que ele pudesse viver e respirar. A filha de sete anos, que ele trouxera de outro casamento, era tratada com um misto de ódio e desprezo. Não que ela maltratasse a criança, pois era esperta demais para isso, mas destilava de forma mais sutil suas maldades. Uma delas era dar à criança tarefas e responsabilidades que ela sabia que não poderiam ser feitas, culpando depois a coitada pelo fracasso. Torturava a criança para atingir o pai. E a vida se tornava, cada dia, pior.
08/12/2010
Era uma vez
Ele era um tanto quanto tolo e a mãe não confiava no moleque pra nada. Ela chegou a pensar em mandar ele ir na cidade vender a vaca que tinham, mas a mãe concluiu que ele era do tipo capaz de trocar uma vaca por feijões, achando que eram mágicos, como na história que todos conhecemos. Por fim, mandou o menino vender o belo cabelo comprido que tinha. Ia valer bem uns quinhentos reais numa casa de perucas, pensou a mãe, confiante no trocado que a permitiria sobreviver mais um mês. Nos tempos áureos ela recorreria às esquinas da Conselheiro Mafra, mas o tempo era impiedoso e ela já estava velha demais e não conseguia mais levantar uns cobres assim no fim do mês.
Então lá se foi o pobre do Hans num ônibus pro centro tentar negociar a venda de seu cabelo, cujas mechas finais ainda tinham aquele brilho dos cachos de bebês. Estava passando pela praça XV quando parou para fazer à figueira o pedido de conseguir uma boa grana pelos cabelos.
Um sujeito que ali lia o seu jornal, oportunista conhecido que trabalhava num gigantesco banco multinacional, ouviu tudo o que Hans dizia para a árvore e logo bolou o golpe. Se aproximou de forma gentil do menino e ofereceu que ele desse seu cabelo ao banco pela quantia 500 pilas, com a condição de que o negócio se desse no longo prazo. O menino deixaria a quantia no banco rendendo juros módicos de 9% ao ano por 60 anos, precisava pensar no futuro, preparar a aposentaria etc, etc, de forma que em 60 anos ele teria mais de 30 mil pila, ao invés de apenas 500. “Com esse dinheiro,” disse o sujeito do gigantesco banco, “você terá muito mais que o dinheiro do seu cabelo, mas o valor de uma dentadura de ouro. Você não quer trocar seu cabelo por dentes de ouro?”. A lábia matemática do retorno financeiro foi tão complicada e persuasiva, que Hans acabou aceitando e se deixando levar.
Hans chegou em casa todo satisfeito e careca, contando para a mãe da façanha que fizera e lhe garantira dentes de ouro na velhice. A mãe, chocada e irritada, amaldiçoou o filho por tal coisa e consolou-se com o fato de não ter mandado ele levar a vaca para vender.
O tempo foi passando depressa e a mãe de Hans por fim faleceu deixando ao filho o mundo de desgraças e miséria a que fora condenado. Tinha já quase setenta anos quando ia passando por um beco e quatro sujeitos lhe seguraram e o espancaram, arrebentaram todos os seus dentes e, no lugar, instalaram uma linda dentadura de ouro, saldando finalmente a dívida do banco com Hans. E viveram felizes para sempre.
Então lá se foi o pobre do Hans num ônibus pro centro tentar negociar a venda de seu cabelo, cujas mechas finais ainda tinham aquele brilho dos cachos de bebês. Estava passando pela praça XV quando parou para fazer à figueira o pedido de conseguir uma boa grana pelos cabelos.
Um sujeito que ali lia o seu jornal, oportunista conhecido que trabalhava num gigantesco banco multinacional, ouviu tudo o que Hans dizia para a árvore e logo bolou o golpe. Se aproximou de forma gentil do menino e ofereceu que ele desse seu cabelo ao banco pela quantia 500 pilas, com a condição de que o negócio se desse no longo prazo. O menino deixaria a quantia no banco rendendo juros módicos de 9% ao ano por 60 anos, precisava pensar no futuro, preparar a aposentaria etc, etc, de forma que em 60 anos ele teria mais de 30 mil pila, ao invés de apenas 500. “Com esse dinheiro,” disse o sujeito do gigantesco banco, “você terá muito mais que o dinheiro do seu cabelo, mas o valor de uma dentadura de ouro. Você não quer trocar seu cabelo por dentes de ouro?”. A lábia matemática do retorno financeiro foi tão complicada e persuasiva, que Hans acabou aceitando e se deixando levar.
Hans chegou em casa todo satisfeito e careca, contando para a mãe da façanha que fizera e lhe garantira dentes de ouro na velhice. A mãe, chocada e irritada, amaldiçoou o filho por tal coisa e consolou-se com o fato de não ter mandado ele levar a vaca para vender.
O tempo foi passando depressa e a mãe de Hans por fim faleceu deixando ao filho o mundo de desgraças e miséria a que fora condenado. Tinha já quase setenta anos quando ia passando por um beco e quatro sujeitos lhe seguraram e o espancaram, arrebentaram todos os seus dentes e, no lugar, instalaram uma linda dentadura de ouro, saldando finalmente a dívida do banco com Hans. E viveram felizes para sempre.
07/12/2010
Não é preciso um Deus para criar o Universo
'Não é preciso um Deus para criar o Universo', diz Hawking
Cientista britânico polemiza papel da religião na criação do universo em seu novo livro
MADRI - Em seu mais recente livro, "The Grand Design" (O Grande Projeto, em tradução livre), o cientista britânico Stephen Hawking, afirma que "não é preciso um Deus para criar o Universo", pois o Big Bang seria "uma consequência" de leis da Física.
"O fato de que nosso Universo pareça milagrosamente ajustado em suas leis físicas, para que possa haver vida, não seria uma demonstração conclusiva de que foi criado por Deus com a intenção de que a vida exista, mas um resultado do acaso", explicou um dos tradutores da obra, o professor de Física da Matéria Condensada David Jou, da Universidade Autônoma de Barcelona.
Há 22 anos, em seu livro "Uma Nova História do Tempo", Hawking via na racionalidade das leis cósmicas uma "mente de Deus". O cientista inglês acredita agora que as próprias leis físicas produzem universos sem necessidade de que um Deus exterior a elas "ateie fogo" às equações e faça com que suas soluções matemáticas adquiram existência material.
Assim, aquela "mente que regia nosso mundo" se perde na distância dessa multiplicidade cósmica, segundo o tradutor.
Hawking admite a existência das equações como fundamento da realidade, mas despreza se perguntar se tais equações poderiam ser obras de um Deus que as superasse e que transcendesse todos os universos.
http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,nao-e-preciso-um-deus-para-criar-o-universo--diz-hawking,639475,0.htm
Cientista britânico polemiza papel da religião na criação do universo em seu novo livro
MADRI - Em seu mais recente livro, "The Grand Design" (O Grande Projeto, em tradução livre), o cientista britânico Stephen Hawking, afirma que "não é preciso um Deus para criar o Universo", pois o Big Bang seria "uma consequência" de leis da Física.
"O fato de que nosso Universo pareça milagrosamente ajustado em suas leis físicas, para que possa haver vida, não seria uma demonstração conclusiva de que foi criado por Deus com a intenção de que a vida exista, mas um resultado do acaso", explicou um dos tradutores da obra, o professor de Física da Matéria Condensada David Jou, da Universidade Autônoma de Barcelona.
Há 22 anos, em seu livro "Uma Nova História do Tempo", Hawking via na racionalidade das leis cósmicas uma "mente de Deus". O cientista inglês acredita agora que as próprias leis físicas produzem universos sem necessidade de que um Deus exterior a elas "ateie fogo" às equações e faça com que suas soluções matemáticas adquiram existência material.
Assim, aquela "mente que regia nosso mundo" se perde na distância dessa multiplicidade cósmica, segundo o tradutor.
Hawking admite a existência das equações como fundamento da realidade, mas despreza se perguntar se tais equações poderiam ser obras de um Deus que as superasse e que transcendesse todos os universos.
http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,nao-e-preciso-um-deus-para-criar-o-universo--diz-hawking,639475,0.htm
01/12/2010
Isso não é um condor
Outro dia, por ocasião da morte do diretor Dino de Laurentis, resolvi rever um de seus filmes que é um clássico, os “Três Dias do Condor”. O filme continua ainda atual. Não só porque os assassinatos e conspirações ocorrem em torno da disputa do controle de petróleo no oriente médio, mas por causa do final anticlimático em que o protagonista tenta intimidar o agente da CIA informando que havia denunciado todo o esquema para um jornal, ao que o agente responde: como você sabe se irão imprimir a matéria?
Se essa pergunta poderia causar surpresa e espanto em 1975, certamente não o faria hoje. Enquanto na guerra do Vietnã os jornalistas mandaram para casa fotos dos horrores da guerra ajudando a pôr fim no conflito, agora, na última guerra, participaram a bordo dos tanques estadunidenses, exaltando a guerra como se fosse uma aventura emocionante. Na guerra de informações entre os povos e os governos, o jornalismo tradicional mudou definitivamente de trincheira nas últimas décadas.
Os recentes vazamentos dos crimes de guerra americanos e, agora, das notas diplomáticas pelo site wikileaks mostra definitivamente que o protagonismo da divulgação de informação já se moveu da imprensa tradicional para o mundo em rede. Julian Assange, o criador do site, já vem sendo perseguido por agências de segurança que tentam descobrir e intimidar colaboradores do site. Muitas das notas que estão vazando dizem respeito ao Brasil, mas falta ainda uma grande história como a dos filmes antigos.
Talvez os thrillers modernos sejam diferentes, precisem de conspirações religiosas, como do Código Da Vinci. Então o próximo vazamento será algo assim: um embaixador brasileiro, conhecido por não gostar muito de mulheres, surpreende seus amigos com a notícia de seu casamento e uma lua de mel em Paris. A lua de mel é um pretexto para uma operação secreta em território europeu, envolvendo a maçonaria e seitas ocultas, para mover para o Brasil uma relíquia religiosa muito disputada ao longo dos séculos: o sagrado prepúcio de Jesus. A relíquia foi dada pelo imperador Carlos Magno ao papa no ano 800, tendo mudado de mãos várias vezes e, pela última vez, roubada em 1983 na cidade de Calcata, Itália. A conspiração se aprofunda com agentes da Opus Dei se associando ao cunhado de um amigo do embaixador e se mudando para ser vizinho de outro amigo dele. O caso promete suspense e grandes reviravoltas.
Se essa pergunta poderia causar surpresa e espanto em 1975, certamente não o faria hoje. Enquanto na guerra do Vietnã os jornalistas mandaram para casa fotos dos horrores da guerra ajudando a pôr fim no conflito, agora, na última guerra, participaram a bordo dos tanques estadunidenses, exaltando a guerra como se fosse uma aventura emocionante. Na guerra de informações entre os povos e os governos, o jornalismo tradicional mudou definitivamente de trincheira nas últimas décadas.
Os recentes vazamentos dos crimes de guerra americanos e, agora, das notas diplomáticas pelo site wikileaks mostra definitivamente que o protagonismo da divulgação de informação já se moveu da imprensa tradicional para o mundo em rede. Julian Assange, o criador do site, já vem sendo perseguido por agências de segurança que tentam descobrir e intimidar colaboradores do site. Muitas das notas que estão vazando dizem respeito ao Brasil, mas falta ainda uma grande história como a dos filmes antigos.
Talvez os thrillers modernos sejam diferentes, precisem de conspirações religiosas, como do Código Da Vinci. Então o próximo vazamento será algo assim: um embaixador brasileiro, conhecido por não gostar muito de mulheres, surpreende seus amigos com a notícia de seu casamento e uma lua de mel em Paris. A lua de mel é um pretexto para uma operação secreta em território europeu, envolvendo a maçonaria e seitas ocultas, para mover para o Brasil uma relíquia religiosa muito disputada ao longo dos séculos: o sagrado prepúcio de Jesus. A relíquia foi dada pelo imperador Carlos Magno ao papa no ano 800, tendo mudado de mãos várias vezes e, pela última vez, roubada em 1983 na cidade de Calcata, Itália. A conspiração se aprofunda com agentes da Opus Dei se associando ao cunhado de um amigo do embaixador e se mudando para ser vizinho de outro amigo dele. O caso promete suspense e grandes reviravoltas.
25/11/2010
Transitório
Anseio pelo brilho do vidro, a velocidade leve do silício, o rangido pungente de chapas de aço que se rasgam. Anseio pelo riso de crianças turbinadas com 100 Megawatts, o raio que fulminará minhas carnes com o som e fúria de que Shakespeare nos falava, o menestrel que virá à cidade trazendo a peste, ou a morte da máscara rubra de Poe.
Respiro os lixos que saem das máquinas que nos dão autonomia de deslocamento, chumbo, enxofre e gritos de horror. Respiro os lixos que saem das pessoas em esgotos e lixeiras e poeira da rua, suores e excrementos, os pensamentos alucinados que escoam pelas esquinas e recantos sujos deste espaço urbano.
Cérebro e osso e olhos e víscera e tudo mais em sua simplicidade profunda. Pedaços de carvão amontoado e misturado com água, numa combinação muito particular, onde o arranjo do sistema, a relação entre cada molécula, é mais importante que o material que a constitui.
Supernovas que explodem a cada minuto em silêncio mudo e distante a milhões de anos luz, potentes como os girassóis vespertinos de Bukowski. Nebulosas parindo milhares de estrelas, soltas no espaço como girinos na água, a grande maioria destinada a uma morte prematura.
Corro pelas cidades e metrópoles e corpos e planetas atravessando a todos como neutrinos em rota de trânsito pela terra e navego no vento solar competindo com a luz em uma corrida fadada ao fracasso. Corro com moléculas voláteis e sinto o prazer em devorar partículas que não existem por mais que frações de segundos.
Mergulho em direção da vertigem e da cachoeira, o jorro de idéias e pessoas e filamentos de carbono, ácidos, aminoácidos e proteínas, nucleotídeos, peptídeos, feromônios e matrimônios. Mergulho em direção ao pósitron e ao antipróton que me aguardam pacientes para o confronto final, a aniquilação mútua de matéria e antimatéria.
Escombros de civilizações entulhados no ferro velho da história, como o império caído de Ozymandias, de Percy Shelley, ou as ruínas de uma antiga civilização lovecratiana com seus altares a Ctulhu ou Nyarlathotep. Pilhas de corpos árabes empilhados em chamas na nova cruzada moderna ocidental.
Descanso enfim no ocaso dos tempos e na escuridão inerte das tumbas há muito enterradas e soterradas. Descanso nas minas abandonadas e lagos subterrâneos e aquíferos onde a vida bacteriana segue não perturbada, meus fragmentos de corpo em distensão relaxada e meus pedaços de informação espalhados, enfim, na rede biosférica.
Respiro os lixos que saem das máquinas que nos dão autonomia de deslocamento, chumbo, enxofre e gritos de horror. Respiro os lixos que saem das pessoas em esgotos e lixeiras e poeira da rua, suores e excrementos, os pensamentos alucinados que escoam pelas esquinas e recantos sujos deste espaço urbano.
Cérebro e osso e olhos e víscera e tudo mais em sua simplicidade profunda. Pedaços de carvão amontoado e misturado com água, numa combinação muito particular, onde o arranjo do sistema, a relação entre cada molécula, é mais importante que o material que a constitui.
Supernovas que explodem a cada minuto em silêncio mudo e distante a milhões de anos luz, potentes como os girassóis vespertinos de Bukowski. Nebulosas parindo milhares de estrelas, soltas no espaço como girinos na água, a grande maioria destinada a uma morte prematura.
Corro pelas cidades e metrópoles e corpos e planetas atravessando a todos como neutrinos em rota de trânsito pela terra e navego no vento solar competindo com a luz em uma corrida fadada ao fracasso. Corro com moléculas voláteis e sinto o prazer em devorar partículas que não existem por mais que frações de segundos.
Mergulho em direção da vertigem e da cachoeira, o jorro de idéias e pessoas e filamentos de carbono, ácidos, aminoácidos e proteínas, nucleotídeos, peptídeos, feromônios e matrimônios. Mergulho em direção ao pósitron e ao antipróton que me aguardam pacientes para o confronto final, a aniquilação mútua de matéria e antimatéria.
Escombros de civilizações entulhados no ferro velho da história, como o império caído de Ozymandias, de Percy Shelley, ou as ruínas de uma antiga civilização lovecratiana com seus altares a Ctulhu ou Nyarlathotep. Pilhas de corpos árabes empilhados em chamas na nova cruzada moderna ocidental.
Descanso enfim no ocaso dos tempos e na escuridão inerte das tumbas há muito enterradas e soterradas. Descanso nas minas abandonadas e lagos subterrâneos e aquíferos onde a vida bacteriana segue não perturbada, meus fragmentos de corpo em distensão relaxada e meus pedaços de informação espalhados, enfim, na rede biosférica.
17/11/2010
O velho vestibular
As eleições mal acabaram e a campanha pra 2014 já começou. É o novo paradigma da propaganda política, a criação de uma crise permanente, seja ela fundada em bases reais ou não. A bola da vez agora é tentar prejudicar mais de três milhões de estudantes anulando uma prova que fizeram apenas para desgastar o governo. Ano passado já fizeram isso, curiosamente o jornal que publicou a prova vazada era a mesma empresa dona da gráfica que deixou vazar o conteúdo. Coincidências, é claro.
Nessa guerra de informações vale tudo, até mesmo pegar uma frase qualquer de uma autoridade e fazer um artigo inteiro para dar um sentido inverso. É impressionante mesmo, Fausto Wolff estava certo sobre o romance de Orwell, estamos vivendo o 1984 desde 1964. Na histeria do momento não falta quem queira cancelar o modelo de avaliação nacional, similar ao feito na Alemanha e EUA, e voltarmos para o antigo sistema do vestibular apenas.
Ah, sim, doces memórias do vestibular. Lembro que o grande truque era se inscrever naqueles aulões de fim de ano, onde todo o conteúdo era condensado em 20 dias de aula. E os professores eram aclamados como verdadeiros gênios porque “adivinhavam” as questões do vestibular, um misto de ensino científico e xamanismo premonitório.
É claro que ninguém mais é criança e podemos parar de brincar nessa história. Os professores de cursinho são contratados pelas universidades para redigir questões de vestibular, daí vem o seu dom premonitório: o aluno que paga recebe dele a informação privilegiada sobre as questões que cai. É claro que eles não podiam admitir que estavam violando o sigilo da prova, então vinham com papos divertidíssimos de sonhos mediúnicos e passavam no quadro questões inteiras do vestibular, palavra por palavra, cada alternativa, com a devida resposta.
Era um esquema que todos gostavam. Os cursinhos porque faturavam, os alunos porque ganhavam uma vantagem indevida sobre outros candidatos e os professores porque viravam gênios do saber. Depois era divertido ver ainda os cursinhos que se vangloriavam da aprovação dos seus alunos, sem mencionarem, é claro, o crime federal que cometiam vazando questões da prova para os mesmos.
É certo que a fraude começa a patinar no momento em que surge um exame nacional que desarticula todos esses arranjos locais de corrupção. Não é, portanto, de se estranhar que o exame desagrade e cause movimentações tentando exterminá-lo para o retorno ao velho esquema. Ah, o saudosismo!
Nessa guerra de informações vale tudo, até mesmo pegar uma frase qualquer de uma autoridade e fazer um artigo inteiro para dar um sentido inverso. É impressionante mesmo, Fausto Wolff estava certo sobre o romance de Orwell, estamos vivendo o 1984 desde 1964. Na histeria do momento não falta quem queira cancelar o modelo de avaliação nacional, similar ao feito na Alemanha e EUA, e voltarmos para o antigo sistema do vestibular apenas.
Ah, sim, doces memórias do vestibular. Lembro que o grande truque era se inscrever naqueles aulões de fim de ano, onde todo o conteúdo era condensado em 20 dias de aula. E os professores eram aclamados como verdadeiros gênios porque “adivinhavam” as questões do vestibular, um misto de ensino científico e xamanismo premonitório.
É claro que ninguém mais é criança e podemos parar de brincar nessa história. Os professores de cursinho são contratados pelas universidades para redigir questões de vestibular, daí vem o seu dom premonitório: o aluno que paga recebe dele a informação privilegiada sobre as questões que cai. É claro que eles não podiam admitir que estavam violando o sigilo da prova, então vinham com papos divertidíssimos de sonhos mediúnicos e passavam no quadro questões inteiras do vestibular, palavra por palavra, cada alternativa, com a devida resposta.
Era um esquema que todos gostavam. Os cursinhos porque faturavam, os alunos porque ganhavam uma vantagem indevida sobre outros candidatos e os professores porque viravam gênios do saber. Depois era divertido ver ainda os cursinhos que se vangloriavam da aprovação dos seus alunos, sem mencionarem, é claro, o crime federal que cometiam vazando questões da prova para os mesmos.
É certo que a fraude começa a patinar no momento em que surge um exame nacional que desarticula todos esses arranjos locais de corrupção. Não é, portanto, de se estranhar que o exame desagrade e cause movimentações tentando exterminá-lo para o retorno ao velho esquema. Ah, o saudosismo!
10/11/2010
O bar
O Bar
O que mais gosto no bar é a sensação de falsa solidão. Às vezes o bar tá carregado de gente se espremendo pelos corredores suarentos e vocês se sente completamente só lá dentro. Às vezes o bar está vazio, você bebendo sozinho, emborcando todas no ambiente escuro e parado, mas se sente como se estivesse em uma festa agitada onde você conhecesse todos por dentro.
É como um grande universo, pessoas que não percebem que estão sendo vigiadas e observadas. Tem aquele cara com jeito de fracassado no canto que fica olhando para a espuma do copo sem dizer uma palavra. Tem aquele outro obcecado com um assunto do trabalho que martelou sua cabeça o dia inteiro e não lhe dá sossego nem agora. Tem aquele outro arrependido, que se acha um imbecil, um idiota que acabou expulsando todos de sua vida e agora está só. Tem aquele outro que se apaixonou por uma garota com metade de sua idade e não pode pensar nela que chora, balbuciando apenas que ela é um buraco negro contra qual o espaço pode apenas se curvar.
Tem aquele outro cara alegre, que bebeu demais e ficou sociável demais, conversando com todo mundo em todos os cantos. Tem aquele outro que levou um livro para ler e não ser incomodado e finge que se concentra na leitura. Tem aquele garoto que precisa estudar para uma prova amanhã e parou ali para tomar uma cervejinha e relaxar. Tem aquele fumante de cachimbo que briga com o cigarro que não lhe apetece tanto quanto o seu fumo normal.
Lá no canto, naquele mesa, tem aquele outro que sentou-se de frente pra tevê e finge assistir ao jogo de futebol, muito embora odeie futebol. Tem aquele outro com um DVD de um filme de drogadição dos anos sessenta com trilha sonora do Pink Floyd. Tem aquele outro que quer ser escritor mas sabe que é uma carreira de fracassos. Tem aquele outro que queria montar uma banda de punk rock e veste umas roupas rasgadas, mas nunca foi punk.
Por fim tem o outro cara que fica só olhando as meninas que passam, tentando furar o vestido com os olhos ou adquirir o poder de ver através deles. Tem o cara que tenta conseguir algumas meninas mas já bebeu tanto que não consegue falar olhando para o rosto delas, apenas para o decote. Tem o cara que pensa como a vida teria sido se tivesse arranjado um emprego decente e se entupido de grana, sentado no mesmo banco daquele outro que pensa que deveria ter desistido de tudo de uma vez, ido morar nas ruas e viver selvagemente.
Passa dia e noite e o bar está sempre cheio de velhos sonhos e pesadelos.
O que mais gosto no bar é a sensação de falsa solidão. Às vezes o bar tá carregado de gente se espremendo pelos corredores suarentos e vocês se sente completamente só lá dentro. Às vezes o bar está vazio, você bebendo sozinho, emborcando todas no ambiente escuro e parado, mas se sente como se estivesse em uma festa agitada onde você conhecesse todos por dentro.
É como um grande universo, pessoas que não percebem que estão sendo vigiadas e observadas. Tem aquele cara com jeito de fracassado no canto que fica olhando para a espuma do copo sem dizer uma palavra. Tem aquele outro obcecado com um assunto do trabalho que martelou sua cabeça o dia inteiro e não lhe dá sossego nem agora. Tem aquele outro arrependido, que se acha um imbecil, um idiota que acabou expulsando todos de sua vida e agora está só. Tem aquele outro que se apaixonou por uma garota com metade de sua idade e não pode pensar nela que chora, balbuciando apenas que ela é um buraco negro contra qual o espaço pode apenas se curvar.
Tem aquele outro cara alegre, que bebeu demais e ficou sociável demais, conversando com todo mundo em todos os cantos. Tem aquele outro que levou um livro para ler e não ser incomodado e finge que se concentra na leitura. Tem aquele garoto que precisa estudar para uma prova amanhã e parou ali para tomar uma cervejinha e relaxar. Tem aquele fumante de cachimbo que briga com o cigarro que não lhe apetece tanto quanto o seu fumo normal.
Lá no canto, naquele mesa, tem aquele outro que sentou-se de frente pra tevê e finge assistir ao jogo de futebol, muito embora odeie futebol. Tem aquele outro com um DVD de um filme de drogadição dos anos sessenta com trilha sonora do Pink Floyd. Tem aquele outro que quer ser escritor mas sabe que é uma carreira de fracassos. Tem aquele outro que queria montar uma banda de punk rock e veste umas roupas rasgadas, mas nunca foi punk.
Por fim tem o outro cara que fica só olhando as meninas que passam, tentando furar o vestido com os olhos ou adquirir o poder de ver através deles. Tem o cara que tenta conseguir algumas meninas mas já bebeu tanto que não consegue falar olhando para o rosto delas, apenas para o decote. Tem o cara que pensa como a vida teria sido se tivesse arranjado um emprego decente e se entupido de grana, sentado no mesmo banco daquele outro que pensa que deveria ter desistido de tudo de uma vez, ido morar nas ruas e viver selvagemente.
Passa dia e noite e o bar está sempre cheio de velhos sonhos e pesadelos.
03/11/2010
Uma coisa e tanto
E então eu conseguia realmente me relaxar, libertar. Oxitocina adoçando minhas veias com uma estranha calma sem fôlego. Ela ficava rindo de mim com uma cara sacana e fingindo que não me entendia.
Eu posso dizer que tive sorte. Poucas pessoas tem a chance de fazer um acordo com a morte e não cumpri-lo. É claro que a ceifadora não deixou barato e me bateu como um cão esfarrapado, feridas de sarna à mostra e tudo o mais.
Mas ela compensava tudo. Ela tinha mania estranhas que me divertiam. Aquela coisa que ela fazia babando, por exemplo. Um longo fio de baba correndo pelo queixo, litros e litros de baba escorrendo pela boca. E eu olhava aquilo e ria satisfeito, sentindo-me agraciado.
Aí ela babava em mim, espalhando a baba, escorrendo baba em tudo, até mesmo no chão. Eu ria e dizia: não pare agora, não pare. E ela olhava pra mim, e ria, e fazia algo com os cabelos que até hoje não entendo o que era, mas a deixava parecida com a Rose McGowan, com direito a metralhadora na perna amputada e tudo.
Então ela botava uma música do Robert Johnson pra tocar, um disco de vinil velho e rachado em que apenas algumas músicas ainda tocavam. “Me and the devil” era a favorita dela, como se quisesse a qualquer momento confessar que fosse uma súcubus saída do meio de um filme ambientado no Haiti, como aquele da serpente e do arco-íris.
Aí eu ia até a vitrola e colocava uma música qualquer do Pink Floyd para me dar um tempo para respirar e alongar aquela misancene toda. E ela dizia que eu a fazia realmente feliz e eu fingia por um minuto acreditar, apenas para não cortar o clima do momento, enquanto “Paranoid Eyes” tocava.
Aí ela vinha pra cima de mim com aquele fio de baba à la Alexis Texas que corria pela casa toda e se alongava e ríamos e eu fechava os olhos ouvindo a música e sentia que, de alguma forma, o mundo não era o mundo, eu não era eu e nada era nada.
Acho que apaguei algumas vezes fazendo isso, e acordava com ela sentada, olhar sério. Um calafrio me vinha de imediato porque eu sabia que aquilo não era bom sinal, era a virada da maré, o preço amargo dos relacionamentos, quando a meia-noite passa e as pessoas começam a trocar segredos e dores e mágoas e traumas.
Eu não era bom com isso. Era essa a parte que me ferrava. Eu sabia que era só ficar sentado ali e concordar com ela e tudo que ela dissesse e então dizer que era tarde e tinha que ir embora e assim por diante. Mas de alguma forma a coisa não funcionava. A farsa caía naquela momento e eu nunca consegui me comunicar, sintonizar no mesmo nível de empatia. E tudo então acabava.
Eu posso dizer que tive sorte. Poucas pessoas tem a chance de fazer um acordo com a morte e não cumpri-lo. É claro que a ceifadora não deixou barato e me bateu como um cão esfarrapado, feridas de sarna à mostra e tudo o mais.
Mas ela compensava tudo. Ela tinha mania estranhas que me divertiam. Aquela coisa que ela fazia babando, por exemplo. Um longo fio de baba correndo pelo queixo, litros e litros de baba escorrendo pela boca. E eu olhava aquilo e ria satisfeito, sentindo-me agraciado.
Aí ela babava em mim, espalhando a baba, escorrendo baba em tudo, até mesmo no chão. Eu ria e dizia: não pare agora, não pare. E ela olhava pra mim, e ria, e fazia algo com os cabelos que até hoje não entendo o que era, mas a deixava parecida com a Rose McGowan, com direito a metralhadora na perna amputada e tudo.
Então ela botava uma música do Robert Johnson pra tocar, um disco de vinil velho e rachado em que apenas algumas músicas ainda tocavam. “Me and the devil” era a favorita dela, como se quisesse a qualquer momento confessar que fosse uma súcubus saída do meio de um filme ambientado no Haiti, como aquele da serpente e do arco-íris.
Aí eu ia até a vitrola e colocava uma música qualquer do Pink Floyd para me dar um tempo para respirar e alongar aquela misancene toda. E ela dizia que eu a fazia realmente feliz e eu fingia por um minuto acreditar, apenas para não cortar o clima do momento, enquanto “Paranoid Eyes” tocava.
Aí ela vinha pra cima de mim com aquele fio de baba à la Alexis Texas que corria pela casa toda e se alongava e ríamos e eu fechava os olhos ouvindo a música e sentia que, de alguma forma, o mundo não era o mundo, eu não era eu e nada era nada.
Acho que apaguei algumas vezes fazendo isso, e acordava com ela sentada, olhar sério. Um calafrio me vinha de imediato porque eu sabia que aquilo não era bom sinal, era a virada da maré, o preço amargo dos relacionamentos, quando a meia-noite passa e as pessoas começam a trocar segredos e dores e mágoas e traumas.
Eu não era bom com isso. Era essa a parte que me ferrava. Eu sabia que era só ficar sentado ali e concordar com ela e tudo que ela dissesse e então dizer que era tarde e tinha que ir embora e assim por diante. Mas de alguma forma a coisa não funcionava. A farsa caía naquela momento e eu nunca consegui me comunicar, sintonizar no mesmo nível de empatia. E tudo então acabava.
28/10/2010
Os nazistas da esquina
Sabe, há contas que temos que acertar com o passado. Essa coisa, por exemplo, de botarmos a culpa de tudo nos nazistas, como pretexto até para perdoar os aliados pelas duas bombas que arrasaram duas cidades japonesas. Ou por querer eleger uma pessoa ou grupo como essência do mal, e nos abstermos de reconhecer a própria inoperância dos conceitos de mal e bem, que os impulsos destrutivos residem também em nós mesmos.
Há uma lei no mundo da argumentação que surgiu na usenet mas podemos aplicar para todo nosso mundo cotidiano, a Lei de Godwin, que diz que à medida que uma discussão cresce, ela certamente vai descambar para um lado chamando o outro de nazista. E como corolário, o lado que chamar o outro de nazista primeiro perde a discussão.
Chamar seu oponente de nazista ou fascista é o mingau com leite de eleições, até mesmo ex-presidentes se prestam a esse ridículo na eleição atual, chamando o lado opositor de nazista. E olha que fala de ex-presidente, em nossa triste história, é sempre algo coberto de inveja, rancor e falta de senso de ridículo.
Mas agora vem à tona outro caso de mais triste figura ainda, um ministro da suprema corte chamando a popular ficha limpa e seus apoiadores de nazistas. Aplicássemos a Lei de Godwin também na justiça e lá se ia um ministro automaticamente retirado de suas funções, embora não faltem mesmo movimentos para dar-lhe o primeiro impeachment de nossa história judicial, por conta dos inúmeros constrangimentos a que tal figura tem exposto a corte em que milita partidariamente.
Sabendo-se do amplo apoio à lei da ficha limpa, o magistrado acaba de chamar mais da metade dos brasileiros de nazifascistas. Se o magistrado virou senil ou vocês leitores viraram adeptos fanáticos do Mein Kampf do dia para noite, é algo que deixo a vocês decidirem. O fato é que afirmações desse tipo não só desgraçam nossa vida republicana, como cria os fantasmas que pretende combater. Quantos novos candidatos ao nazismo o ministro não cria ao associa-lo à tal lei?
Aqui em Santa Catarina, onde até o estupro a lei permite, desde que o pai seja dono de canal de TV, o nazismo nunca saiu de moda, embora submerso. Não é à toa que saiu daqui a iniciativa de barrar a lei que permite acesso de negros às universidades, ou os dois terços conservador de nosso eleitorado.
Por isso é hora de jogar fora a máscara e entendermos que nazistas não são seres de outro planetas, são nossos vizinhos, parentes, colegas. Algo que não se vence com guerras.
Há uma lei no mundo da argumentação que surgiu na usenet mas podemos aplicar para todo nosso mundo cotidiano, a Lei de Godwin, que diz que à medida que uma discussão cresce, ela certamente vai descambar para um lado chamando o outro de nazista. E como corolário, o lado que chamar o outro de nazista primeiro perde a discussão.
Chamar seu oponente de nazista ou fascista é o mingau com leite de eleições, até mesmo ex-presidentes se prestam a esse ridículo na eleição atual, chamando o lado opositor de nazista. E olha que fala de ex-presidente, em nossa triste história, é sempre algo coberto de inveja, rancor e falta de senso de ridículo.
Mas agora vem à tona outro caso de mais triste figura ainda, um ministro da suprema corte chamando a popular ficha limpa e seus apoiadores de nazistas. Aplicássemos a Lei de Godwin também na justiça e lá se ia um ministro automaticamente retirado de suas funções, embora não faltem mesmo movimentos para dar-lhe o primeiro impeachment de nossa história judicial, por conta dos inúmeros constrangimentos a que tal figura tem exposto a corte em que milita partidariamente.
Sabendo-se do amplo apoio à lei da ficha limpa, o magistrado acaba de chamar mais da metade dos brasileiros de nazifascistas. Se o magistrado virou senil ou vocês leitores viraram adeptos fanáticos do Mein Kampf do dia para noite, é algo que deixo a vocês decidirem. O fato é que afirmações desse tipo não só desgraçam nossa vida republicana, como cria os fantasmas que pretende combater. Quantos novos candidatos ao nazismo o ministro não cria ao associa-lo à tal lei?
Aqui em Santa Catarina, onde até o estupro a lei permite, desde que o pai seja dono de canal de TV, o nazismo nunca saiu de moda, embora submerso. Não é à toa que saiu daqui a iniciativa de barrar a lei que permite acesso de negros às universidades, ou os dois terços conservador de nosso eleitorado.
Por isso é hora de jogar fora a máscara e entendermos que nazistas não são seres de outro planetas, são nossos vizinhos, parentes, colegas. Algo que não se vence com guerras.
23/10/2010
21/10/2010
Caçada
Eram cerca de dez horas da noite quando começamos a correr. Noite quente, mata fechada, lua amarela, sangue nos olhos, lançamento de livros da Nephelibatas no Talyesin. Noites quentes são a última chance de felicidade da humanidade.
Avançamos a longa ladeira de horas suando e correndo no ambiente fechado e abafado. É preciso correr quando não se quer ter o corpo trucidado por feras selvagens, ou quando você é a ameaça perseguindo uma presa de carne vermelha e suculenta. Você pode sentir seus dentes furando o couro do animal vivo que ainda se debate, o gosto do sangue quente, mais um aperitivo sensual do que de fato alimento.
São três da manhã quando o cansaço começa a abater a maioria das pessoas. Está tudo vazio já, só nosso grupo continua ainda a correr sem perceber que a corrida já terminou, o público se foi, a faixa de vitória foi enrolada e guardada e o juiz começa a apagar as luzes e empilhar cadeiras em cima das mesas.
Ganhamos as ruas. As nada desertas ruas do centro da cidade, habitadas por panfletos de clubes noturnos que mostram as garotas em exibição, moradores de rua que tentam dormir em qualquer canto possível, tentando ignorar os bêbados que por ali passam falando alto, travestis da Hercílio Luz em roupas de enfermeira, aeromoça ou colegial sacana. O lado inconsciente da cidade que se revolve e agita enquanto o lado consciente dorme, ou tenta dormir.
A corrida começa a perder fôlego subindo a ladeira do TAC. A noite como um espelho dentro de um espelho começa a sofrer reviravoltas incompreensíveis. Não há mais lobos nos caçando ou coelhos suculentos para serem caçados, há loucos que nos abordam balburdiando coisas incompreensíveis, pessoas que passam a cada cinco minutos nos pedindo cigarro, cachaça ou outra coisa, um grupo hippie teletransportado dos anos 60 para nosso lado, que nos cerca com música de violão, incensos, faixas coloridas e demonstrações de amor fraterno entre humanos e animais, cachorros e humanos deitados no chão das ruas abraçando-se, beijando e catando pulgas nos pelos alheios.
Continuamos correndo e agora entramos na penumbra de sombras e terrores incompreensíveis. Casas e mais casas empilhadas, repletas de moradores despertos pelo terror da madrugada e o medo de bandidos. Uma velha sentada num baú de ouro espreita os transeuntes que passam com olho clínico, desconfiada. A guardiã do hospício urbano aberto pede silêncio do alto de sua torre a todos que passam. Um sofá no meio da rua é um convite enganoso ao descanso, uma vez que já se encontra ocupado por um morador que ali dorme profundamente.
Noites quentes são a redenção alegre após a tristeza e desespero do inverno úmido da ilha.
Avançamos a longa ladeira de horas suando e correndo no ambiente fechado e abafado. É preciso correr quando não se quer ter o corpo trucidado por feras selvagens, ou quando você é a ameaça perseguindo uma presa de carne vermelha e suculenta. Você pode sentir seus dentes furando o couro do animal vivo que ainda se debate, o gosto do sangue quente, mais um aperitivo sensual do que de fato alimento.
São três da manhã quando o cansaço começa a abater a maioria das pessoas. Está tudo vazio já, só nosso grupo continua ainda a correr sem perceber que a corrida já terminou, o público se foi, a faixa de vitória foi enrolada e guardada e o juiz começa a apagar as luzes e empilhar cadeiras em cima das mesas.
Ganhamos as ruas. As nada desertas ruas do centro da cidade, habitadas por panfletos de clubes noturnos que mostram as garotas em exibição, moradores de rua que tentam dormir em qualquer canto possível, tentando ignorar os bêbados que por ali passam falando alto, travestis da Hercílio Luz em roupas de enfermeira, aeromoça ou colegial sacana. O lado inconsciente da cidade que se revolve e agita enquanto o lado consciente dorme, ou tenta dormir.
A corrida começa a perder fôlego subindo a ladeira do TAC. A noite como um espelho dentro de um espelho começa a sofrer reviravoltas incompreensíveis. Não há mais lobos nos caçando ou coelhos suculentos para serem caçados, há loucos que nos abordam balburdiando coisas incompreensíveis, pessoas que passam a cada cinco minutos nos pedindo cigarro, cachaça ou outra coisa, um grupo hippie teletransportado dos anos 60 para nosso lado, que nos cerca com música de violão, incensos, faixas coloridas e demonstrações de amor fraterno entre humanos e animais, cachorros e humanos deitados no chão das ruas abraçando-se, beijando e catando pulgas nos pelos alheios.
Continuamos correndo e agora entramos na penumbra de sombras e terrores incompreensíveis. Casas e mais casas empilhadas, repletas de moradores despertos pelo terror da madrugada e o medo de bandidos. Uma velha sentada num baú de ouro espreita os transeuntes que passam com olho clínico, desconfiada. A guardiã do hospício urbano aberto pede silêncio do alto de sua torre a todos que passam. Um sofá no meio da rua é um convite enganoso ao descanso, uma vez que já se encontra ocupado por um morador que ali dorme profundamente.
Noites quentes são a redenção alegre após a tristeza e desespero do inverno úmido da ilha.
14/10/2010
De dragões e garotinhas
Havia esse parque com brinquedos coloridos para as crianças escorregarem e se balançarem e toda a sorte de coisas que as crianças costumam fazer. Eu ia lá diariamente para consumir minha dose diária de cigarros e de graspa, tentando relaxar em meio àquela gritaria pueril.
Eu precisava reclamar aquele território para mim, tomar posse. Primeiro tentei fazer como os cachorros e urinar nos brinquedos, mas percebi que as crianças pareciam não se importar muito com isso e escorregavam em cima da urina seca sem nenhum problema. Tentei um ritual de guerra com roupas indígenas, mas isso mais divertiu as crianças do que assustou-as.
Então, um dia, eu lia um livro quando uma dessas criancinhas de olhão arregalado me pediu para jogar a bola que havia caído ao meu lado. Peguei a bola e perguntei se ela gostava, ela disse que sim. Perguntei se havia ganho de presente, e ela disse que sim, do papai noel.
Era minha chance. Abri para ela as boas novas que os pais nunca lhe contavam, que papai noel não existia, que os pais delas a haviam enganado, que aquela era uma bola ordinária comprada em loja de quinquilharias e que os pais dela haviam mentido para ela porque não a amavam.
A criança saiu chorando e foi contar para a mãe, deixando me satisfeito com a leitura, até que me vejo cercado por um grupo de senhoras revoltadas. A mais descontrolada era aquela que parecia ser a mãe da garotinha, que me ameaçava com um processo e gritava freneticamente enquanto a criança chorava agarrada nas pernas da mãe.
Bem, escapei por pouco de apanhar por aquele grupo de mulheres em fúria, mas acabei mesmo sendo processado pela mãe. O juiz, que não queria saber daquela querela fútil, resolveu encerrar sumariamente o processo me livrando de pagar uma indenização por danos morais, mas me obrigando a trabalhar em uma creche por seis meses.
Foi como se a bota pesada da justiça destroçasse meus dentes. Justo eu sofrer tal castigo! O juiz disse que seria uma medida educacional e não teve jeito. Lá ia eu todo dia em meio aquela balbúrdia terrível de crianças gritando e trocando secreções líquidas.
Me colocaram para ler histórias, que eram sempre coisas terrivelmente chatas. Até o dia em que apareci com um livro de 400 páginas com um dragão na capa. Passei seis meses lendo aquela história, num silêncio absoluto, enquanto as crianças ansiavam pela hora em que o dragão entraria em cena. Dragões, nada como eles para intimidar criancinhas!
Eu precisava reclamar aquele território para mim, tomar posse. Primeiro tentei fazer como os cachorros e urinar nos brinquedos, mas percebi que as crianças pareciam não se importar muito com isso e escorregavam em cima da urina seca sem nenhum problema. Tentei um ritual de guerra com roupas indígenas, mas isso mais divertiu as crianças do que assustou-as.
Então, um dia, eu lia um livro quando uma dessas criancinhas de olhão arregalado me pediu para jogar a bola que havia caído ao meu lado. Peguei a bola e perguntei se ela gostava, ela disse que sim. Perguntei se havia ganho de presente, e ela disse que sim, do papai noel.
Era minha chance. Abri para ela as boas novas que os pais nunca lhe contavam, que papai noel não existia, que os pais delas a haviam enganado, que aquela era uma bola ordinária comprada em loja de quinquilharias e que os pais dela haviam mentido para ela porque não a amavam.
A criança saiu chorando e foi contar para a mãe, deixando me satisfeito com a leitura, até que me vejo cercado por um grupo de senhoras revoltadas. A mais descontrolada era aquela que parecia ser a mãe da garotinha, que me ameaçava com um processo e gritava freneticamente enquanto a criança chorava agarrada nas pernas da mãe.
Bem, escapei por pouco de apanhar por aquele grupo de mulheres em fúria, mas acabei mesmo sendo processado pela mãe. O juiz, que não queria saber daquela querela fútil, resolveu encerrar sumariamente o processo me livrando de pagar uma indenização por danos morais, mas me obrigando a trabalhar em uma creche por seis meses.
Foi como se a bota pesada da justiça destroçasse meus dentes. Justo eu sofrer tal castigo! O juiz disse que seria uma medida educacional e não teve jeito. Lá ia eu todo dia em meio aquela balbúrdia terrível de crianças gritando e trocando secreções líquidas.
Me colocaram para ler histórias, que eram sempre coisas terrivelmente chatas. Até o dia em que apareci com um livro de 400 páginas com um dragão na capa. Passei seis meses lendo aquela história, num silêncio absoluto, enquanto as crianças ansiavam pela hora em que o dragão entraria em cena. Dragões, nada como eles para intimidar criancinhas!
13/10/2010
Taxionomia de Falácias
06/10/2010
A arte de vender ilusões
A arte de vender ilusões
Passadas as eleições, posso falar um pouco sobre esta incomodação bienal que nos acomete. Se há alguma coisa que se aprende com o pleito, é o fato de que ainda não aprendemos nada.
Passamos toda nossa vida desde a redemocratização sonhando com um salvador. Collor viria acabar com os marajás, com a corrupção, tornar o Brasil um tigre asiático, ai de nós! Daí o Itamar até que ajeitou tudo, pôs a casa em ordem, estabilizou a moeda e de novo na eleição fomos atrás da idéia de que um sociólogo iluminado seria a salvação, e ele quebrou três vezes o país. Então o Lula seria a nova redenção, filho do povo, etc e tal, e o governo vai patinando, até tomar algum rumo só na metade quando os programas de distribuição de renda começam a funcionar.
Nova eleição, velhos problemas. E não falo dos candidatos, mas das pessoas que acreditam que os candidatos estão disputando as eleições pensando na população, não nas empresas. Distribuição de renda, por exemplo, não é nenhuma mágica, é a coisa mais fácil de fazer, só nunca fora feita no Brasil porque o setor exportador, dominante da economia, precisa de uma renda achatada para pagar menos salário, diminuindo o preço do seu produto e exportando mais. Então distribuição de renda não é nenhuma benesse ao povo, é apenas o apoio do setor varejista nacional que precisa da renda distribuída para gerar crescimento interno da economia e vender produtos aqui dentro, mesmo que provenham da indústria de fora.
Esse dilema entre exportadores produtores X comerciantes importadores dá a dinâmica do país desde a República Velha, e todo o jogo de cena político dos candidatos é apenas para se situar melhor junto a um ou outro desses setores. São eles que definem as eleições com os milhões de patrocínio, não você, com seu mísero voto no dia de votar. Isso vale para todos eles, até mesmo quem se apresenta como novidade, cujas credenciais para se candidatar foi uma gestão tão inoperante como ministra que acabou demitida pelo seu próprio partido, tendo o desmatamento no Brasil caído drasticamente após a demissão dela.
De todos os emails caluniosos que os partidos lançam nas eleições, o mais tosco me veio dos verdes: acusava o MST de matar tartarugas de rio no Solimões, tendo como prova fotos de tartarugas marinhas (uma espécie bem diferente), tiradas na frente de um mar azul cheio de ondas. E assim o conservadorismo, usando velhos golpes baixos, tenta sempre se vestir de algo novo, e muita gente acredita.
Passadas as eleições, posso falar um pouco sobre esta incomodação bienal que nos acomete. Se há alguma coisa que se aprende com o pleito, é o fato de que ainda não aprendemos nada.
Passamos toda nossa vida desde a redemocratização sonhando com um salvador. Collor viria acabar com os marajás, com a corrupção, tornar o Brasil um tigre asiático, ai de nós! Daí o Itamar até que ajeitou tudo, pôs a casa em ordem, estabilizou a moeda e de novo na eleição fomos atrás da idéia de que um sociólogo iluminado seria a salvação, e ele quebrou três vezes o país. Então o Lula seria a nova redenção, filho do povo, etc e tal, e o governo vai patinando, até tomar algum rumo só na metade quando os programas de distribuição de renda começam a funcionar.
Nova eleição, velhos problemas. E não falo dos candidatos, mas das pessoas que acreditam que os candidatos estão disputando as eleições pensando na população, não nas empresas. Distribuição de renda, por exemplo, não é nenhuma mágica, é a coisa mais fácil de fazer, só nunca fora feita no Brasil porque o setor exportador, dominante da economia, precisa de uma renda achatada para pagar menos salário, diminuindo o preço do seu produto e exportando mais. Então distribuição de renda não é nenhuma benesse ao povo, é apenas o apoio do setor varejista nacional que precisa da renda distribuída para gerar crescimento interno da economia e vender produtos aqui dentro, mesmo que provenham da indústria de fora.
Esse dilema entre exportadores produtores X comerciantes importadores dá a dinâmica do país desde a República Velha, e todo o jogo de cena político dos candidatos é apenas para se situar melhor junto a um ou outro desses setores. São eles que definem as eleições com os milhões de patrocínio, não você, com seu mísero voto no dia de votar. Isso vale para todos eles, até mesmo quem se apresenta como novidade, cujas credenciais para se candidatar foi uma gestão tão inoperante como ministra que acabou demitida pelo seu próprio partido, tendo o desmatamento no Brasil caído drasticamente após a demissão dela.
De todos os emails caluniosos que os partidos lançam nas eleições, o mais tosco me veio dos verdes: acusava o MST de matar tartarugas de rio no Solimões, tendo como prova fotos de tartarugas marinhas (uma espécie bem diferente), tiradas na frente de um mar azul cheio de ondas. E assim o conservadorismo, usando velhos golpes baixos, tenta sempre se vestir de algo novo, e muita gente acredita.
30/09/2010
O doce mar
Esse é um fim de semana especial por causa desse amigo que vive recluso na Barra da Lagoa e só aceita visita uma vez por ano, justamente no dia de eleição. É uma espécie de síndrome, ou algo assim, que ele adquiriu desde o fim da ditadura.
Juntamos um pessoal e compramos um poodle no caminho pois achamos que seria um presente que o animaria, com toda sua pelagem fofa e olhinhos carentes.
Chegamos lá e encontramos a mulher triste, toda de preto. O que houve?, perguntamos. Ele morreu! Foi tudo o que ela disse naquele momento.
Entramos na casa e encontramos ele lá, estirado na cama, presunto ainda fresco e ela sem saber o que fazer. Morrera naquela madrugada. Depois de anos de ditadura e censura ele aprendera a se comunicar de forma elíptica, de modo que na cama ele disse pra ela: Joga a sua... para... que eu vou ... nela e depois... a minha... até o...! Ela se excitou e respondeu: Então... a minha... até... toda... no ...! Finalmente ele disse como num grito: vem... no... explodindo... do...!
Naquele momento ela começou a duvidar se ele queria sexo ou pagar a conta do telefone. Céus como era terrível e ridículo viver sob censura! Olhou pra ele e ele estava lá, morto, enfartado.
Olhei para meus três amigos e logo, por olhares, entendemos o que seria preciso fazer. Um deles era químico e logo deu um monte de pílulas diluído num café para a esposa do falecido. Você vai matá-la assim!, eu disse, mas ele me tranquilizou que aquilo era apenas o suficiente para mantê-la apagada.
Construímos uma jangada com umas madeiras e pedaços de isopor que tiramos de uma caixa de bebidas. Botamos o corpo do falecido lá estirado, a mulher desmaiada ao lado e levamos para a praia. No bolso dele a foto que ele sempre levava, por motivos que desconhecíamos, de um camelo sem patas, pobre animal!
Chegamos na praia e os pescadores nos cercaram, entendendo a gravidade solene que o assunto requeria. Encharcamos o corpo do falecido com gasolina, e da mulher também, que partiria com ele como as antigas concubinas dos faraós.
Botamos o cachorro na jangada e a lançamos no mar. Quando ia a certa altura um colega embaixador, familiarizado com o cerimonial, arremessou a tocha que incendiou balsa. O cachorro gritava em pânico e alguns tiveram a impressão de ouvir uns gemidos da mulher que seguia amarrada, mas podia ser apenas o vento do mar.
A jangada rumou em chamas para a linha do horizonte, enfim afundando, enquanto um outro amigo, escritor, fazia um discurso de despedida.
Juntamos um pessoal e compramos um poodle no caminho pois achamos que seria um presente que o animaria, com toda sua pelagem fofa e olhinhos carentes.
Chegamos lá e encontramos a mulher triste, toda de preto. O que houve?, perguntamos. Ele morreu! Foi tudo o que ela disse naquele momento.
Entramos na casa e encontramos ele lá, estirado na cama, presunto ainda fresco e ela sem saber o que fazer. Morrera naquela madrugada. Depois de anos de ditadura e censura ele aprendera a se comunicar de forma elíptica, de modo que na cama ele disse pra ela: Joga a sua... para... que eu vou ... nela e depois... a minha... até o...! Ela se excitou e respondeu: Então... a minha... até... toda... no ...! Finalmente ele disse como num grito: vem... no... explodindo... do...!
Naquele momento ela começou a duvidar se ele queria sexo ou pagar a conta do telefone. Céus como era terrível e ridículo viver sob censura! Olhou pra ele e ele estava lá, morto, enfartado.
Olhei para meus três amigos e logo, por olhares, entendemos o que seria preciso fazer. Um deles era químico e logo deu um monte de pílulas diluído num café para a esposa do falecido. Você vai matá-la assim!, eu disse, mas ele me tranquilizou que aquilo era apenas o suficiente para mantê-la apagada.
Construímos uma jangada com umas madeiras e pedaços de isopor que tiramos de uma caixa de bebidas. Botamos o corpo do falecido lá estirado, a mulher desmaiada ao lado e levamos para a praia. No bolso dele a foto que ele sempre levava, por motivos que desconhecíamos, de um camelo sem patas, pobre animal!
Chegamos na praia e os pescadores nos cercaram, entendendo a gravidade solene que o assunto requeria. Encharcamos o corpo do falecido com gasolina, e da mulher também, que partiria com ele como as antigas concubinas dos faraós.
Botamos o cachorro na jangada e a lançamos no mar. Quando ia a certa altura um colega embaixador, familiarizado com o cerimonial, arremessou a tocha que incendiou balsa. O cachorro gritava em pânico e alguns tiveram a impressão de ouvir uns gemidos da mulher que seguia amarrada, mas podia ser apenas o vento do mar.
A jangada rumou em chamas para a linha do horizonte, enfim afundando, enquanto um outro amigo, escritor, fazia um discurso de despedida.
25/09/2010
Censura
é impressionante como os jornais vivem querendo apoio popular bradando contra a censura, mas são os primeiros a censurar.
Todo mundo um dia terá seus 15 minutos de censura.Agora foi a minha vez e me cortaram uma palavra da última crônica. Aparentemente alguém na redação ficou muito horrorizado com a palvra cetâo e cortaram ela, deixando o personagem como um idiota com a frase inacabada. E nem o pobre do camelo pouparam, cortaram a pata de camelo também.
moralismo provinciano vulvofóbico!
Todo mundo um dia terá seus 15 minutos de censura.Agora foi a minha vez e me cortaram uma palavra da última crônica. Aparentemente alguém na redação ficou muito horrorizado com a palvra cetâo e cortaram ela, deixando o personagem como um idiota com a frase inacabada. E nem o pobre do camelo pouparam, cortaram a pata de camelo também.
moralismo provinciano vulvofóbico!
22/09/2010
Octaedro
Walter era um dos meus melhores amigos na idade de oito anos, estudávamos juntos e ele sempre dormia na aula. Walter, eu chamava. Walter, acorda!
Um olho abria lentamente e espiava, logo abrindo o outro e começando a narrar a coisa mais absurda do mundo com a qual acabara de sonhar. Repetia esse ritual toda manhã na primeira aula. Era o único amigo de escola que me havia restado depois que os professores decidiram dividir a turma com quem eu andava no ano anterior entre as salas de aula pra dividir o grupinho. Talvez tenha começado com isso o ódio por aquele colégio que só aumentou durante minha vida. Ríamos alto da história maluca que ele contava e lá vinha a tia, furiosa, exigindo silêncio. Impedidos de falar, ficávamos apenas olhando para a frente, aquele corpo suave e juvenil de professora de primário. Tenho certeza que foi assim que Walter aprender a distinguir as partes da anatomia feminina por baixo das roupas, ensinando-me o truque anos mais tarde. Era uma saída de colégio ao meio-dia quando ele virou pra mim e confidenciou: a profi tem um cetão!
Bastou isso para que eu percebesse, um tanto quanto tardiamente, o mundo feminino ao meu redor e o fenômeno natural da pata-de-camelo. Logo, logo comecei eu também a desenvolver os poderes perceptórios que ele me ensinava e passava a aula inteira parado, olhando o corpo das professoras, sem copiar nada. Ouvia a voz que explicava a matéria tentando construir em meu cérebro frases de súplicas sensuais. Gostava daquilo, muito mais do que o antigo método de assistir aulas, embora minhas notas começassem a declinar. Somente meu amigo compartilhava comigo deste estranho poder que tínhamos e foi um golpe quando ele foi para outra escola. Passei a zanzar sozinho pelos corredores, agora usando as técnicas que eu aprendera com todas as garotas que via, não só professoras. O último poder secreto que meu colega me ensinara antes de partir foi o de perceber e decifrar teorias da conspiração e mensagens subliminares. Todos estão atrás de você, estão te observando, esperando um passo em falso, ele dizia, e para descobrir o que eles querem basta ler as mensagens ocultas que eles trocam, palavras escondidas que se formam com a primeira letra de cada frase.
Claro que aquilo isso já era loucura demais pra minha cabeça. O poder de superpercepção era legal, mas aquele lance de mensagens subliminares já era demais. Mais vale viver de olhos fechados do que abri-los para descobrir o terror e a loucura.
Um olho abria lentamente e espiava, logo abrindo o outro e começando a narrar a coisa mais absurda do mundo com a qual acabara de sonhar. Repetia esse ritual toda manhã na primeira aula. Era o único amigo de escola que me havia restado depois que os professores decidiram dividir a turma com quem eu andava no ano anterior entre as salas de aula pra dividir o grupinho. Talvez tenha começado com isso o ódio por aquele colégio que só aumentou durante minha vida. Ríamos alto da história maluca que ele contava e lá vinha a tia, furiosa, exigindo silêncio. Impedidos de falar, ficávamos apenas olhando para a frente, aquele corpo suave e juvenil de professora de primário. Tenho certeza que foi assim que Walter aprender a distinguir as partes da anatomia feminina por baixo das roupas, ensinando-me o truque anos mais tarde. Era uma saída de colégio ao meio-dia quando ele virou pra mim e confidenciou: a profi tem um cetão!
Bastou isso para que eu percebesse, um tanto quanto tardiamente, o mundo feminino ao meu redor e o fenômeno natural da pata-de-camelo. Logo, logo comecei eu também a desenvolver os poderes perceptórios que ele me ensinava e passava a aula inteira parado, olhando o corpo das professoras, sem copiar nada. Ouvia a voz que explicava a matéria tentando construir em meu cérebro frases de súplicas sensuais. Gostava daquilo, muito mais do que o antigo método de assistir aulas, embora minhas notas começassem a declinar. Somente meu amigo compartilhava comigo deste estranho poder que tínhamos e foi um golpe quando ele foi para outra escola. Passei a zanzar sozinho pelos corredores, agora usando as técnicas que eu aprendera com todas as garotas que via, não só professoras. O último poder secreto que meu colega me ensinara antes de partir foi o de perceber e decifrar teorias da conspiração e mensagens subliminares. Todos estão atrás de você, estão te observando, esperando um passo em falso, ele dizia, e para descobrir o que eles querem basta ler as mensagens ocultas que eles trocam, palavras escondidas que se formam com a primeira letra de cada frase.
Claro que aquilo isso já era loucura demais pra minha cabeça. O poder de superpercepção era legal, mas aquele lance de mensagens subliminares já era demais. Mais vale viver de olhos fechados do que abri-los para descobrir o terror e a loucura.
15/09/2010
A arte de atropelar locomotivas
Eu costumava a acreditar que era eu quem tinha abandonado e desistido da televisão, dos jornalões emplumados e revistas semanais que se pretendem nacionais, mas só agora entendi que foi ao contrário, foram eles que desistiram de mim.
A conta é muito simples, é mais lucrativo investir num conteúdo simplório e de baixo custo, vendendo a uma parcela menor de consumidores, do que gastar dez vezes mais produzindo conteúdo decente para dobrar as vendas atingindo o consumidor que queira algum conteúdo. É um processo que se estende desde televisões que deixam de fazer programação pensada para executar programas de auditório e reality shows, que têm baixo custo e exigem apenas uma câmera na mão e nenhuma idéia na cabeça, até os jornais que substituíram o jornalismo por um exercício banal de denuncismo vazio: grampo sem áudio, vídeo sem imagem e por aí vai, qualquer coisa que os ajude a vender.
É um desespero agravado pela revolução digital. Todo novo meio de comunicação, quando surge, causa certo impacto nos demais, que vai se diluindo com o tempo. O rádio não acabou com o jornal, o cinema não acabou com o rádio, nem a tevê acabou com o cinema. Os meios tradicionais suportaram bem a internet que já chega agora ao fim da adolescência e se prepara para a maioridade.
Mas nos últimos anos, por uma série de erros de planejamento e decisões erradas das empresas de televisão e jornalismo, o processo se acentuou. Os jornais abandonaram os princípios do jornalismo para tentar manter o público que consideravam fiel, mas, com isso, aqueles que vendiam 1,5 milhão de cópias nos anos 90, agora vendem um décimo disso. São obrigados a distribuir exemplares de graça em postos de gasolina e shopping centers. Foram atropelados por jornais locais e pela difusão da informação em blogs e redes sociais. Antes eram os blogs que repetiam notícias de jornais, hoje é o contrário, são os jornais que repetem os blogs e twitters mais comentados.
A Gazeta Mercantil já fechou as portas. Agora é a vez do Jornal do Brasil, que passou a existir somente na internet. Os grandes jornalões restantes vivem basicamente de compras feitas por governos estaduais sem licitação, em troca, é claro, de apoio aos mesmos no período eleitoral. Coisa que vemos agora, em que sai um escândalo diferente por dia e nunca o conteúdo da matéria corrobora a denúncia na manchete.
Enquanto isso, a internet passa, pela primeira vez, a mídia tradicional no faturamento de publicidade. RIP.
A conta é muito simples, é mais lucrativo investir num conteúdo simplório e de baixo custo, vendendo a uma parcela menor de consumidores, do que gastar dez vezes mais produzindo conteúdo decente para dobrar as vendas atingindo o consumidor que queira algum conteúdo. É um processo que se estende desde televisões que deixam de fazer programação pensada para executar programas de auditório e reality shows, que têm baixo custo e exigem apenas uma câmera na mão e nenhuma idéia na cabeça, até os jornais que substituíram o jornalismo por um exercício banal de denuncismo vazio: grampo sem áudio, vídeo sem imagem e por aí vai, qualquer coisa que os ajude a vender.
É um desespero agravado pela revolução digital. Todo novo meio de comunicação, quando surge, causa certo impacto nos demais, que vai se diluindo com o tempo. O rádio não acabou com o jornal, o cinema não acabou com o rádio, nem a tevê acabou com o cinema. Os meios tradicionais suportaram bem a internet que já chega agora ao fim da adolescência e se prepara para a maioridade.
Mas nos últimos anos, por uma série de erros de planejamento e decisões erradas das empresas de televisão e jornalismo, o processo se acentuou. Os jornais abandonaram os princípios do jornalismo para tentar manter o público que consideravam fiel, mas, com isso, aqueles que vendiam 1,5 milhão de cópias nos anos 90, agora vendem um décimo disso. São obrigados a distribuir exemplares de graça em postos de gasolina e shopping centers. Foram atropelados por jornais locais e pela difusão da informação em blogs e redes sociais. Antes eram os blogs que repetiam notícias de jornais, hoje é o contrário, são os jornais que repetem os blogs e twitters mais comentados.
A Gazeta Mercantil já fechou as portas. Agora é a vez do Jornal do Brasil, que passou a existir somente na internet. Os grandes jornalões restantes vivem basicamente de compras feitas por governos estaduais sem licitação, em troca, é claro, de apoio aos mesmos no período eleitoral. Coisa que vemos agora, em que sai um escândalo diferente por dia e nunca o conteúdo da matéria corrobora a denúncia na manchete.
Enquanto isso, a internet passa, pela primeira vez, a mídia tradicional no faturamento de publicidade. RIP.
Currado em um caminhão de bóias-frias
Andando pra lá e pra cá, por vezes, o sujeito acaba passando por algum aperto. O diabo da idéia foi se meter numa excursão lá pro interior do Pará e voltar achando que tudo bem se pegassem carona.
No primeiro dia ela só teve que levantar a blusa e mostrar os peitinhos e tudo transcorreu em paz. Foi uma bela carona, quase trezentos quilômetros e os dois, ela e o cara com óculos de aro fino, conseguiram sair do meio do nada empoeirado para chegar ao lugar nenhum cheio de pó. Fizeram feliz um motorista que há muito tempo não via peitinhos, principalmente peitinhos firmes como aqueles.
O casal estava preparado, carregava uma barraca iglu, isolantes térmicos, pão seco, meio quilo de castanhas e, ainda, biscoitinhos de soja e guaraná em pó. Com isso poderiam encarar qualquer coisa que viesse pela frente. Naquela noite ele tentou finalmente conseguir algum avanço com ela que fosse além dos beijinhos iniciais. Estavam viajando há muito tempo juntos e o companheirismo era grande. Some-se a isso que ele vira, pela primeira vez, os peitinhos dela nessa tarde, o que fez a felicidade não só do caminhoneiro, mas dele também.
Ela consentiu aos poucos com alguns beijinhos e permitiu umas apalpadas, mas ficou nisso. Disse que estava cansada, precisavam dormir e tal. Ele tinha certeza que se insistisse mais, conseguiria, mas tinham muita viagem pela frente e não quis apressar as coisas, quis curtir com calma a conquista inevitável. Já ela ficou feliz por não ter que queimar ainda naquela noite o papo de que eram amigos e tal e cortar o cara, o que azedaria a viagem.
No segundo dia foi cruel, andaram por horas a fio e nada de nenhum veículo passar. Chegaram por fim num boteco no meio do nada onde só havia o dono do local, completamente bêbado, que consentiu em dar uma carona a eles. No meio do caminho o cara parou e disse que só tocava adiante se ela lhe desse uma chupada. Depois de muita negociação o combinado ficou em uns beijos e amassos e a viagem continuou.
Armaram novamente a barraca perto da estrada naquela noite e ele achou que ia se dar bem, mas ela o dispensou dizendo que ficara meio traumatizada com o que ocorrera durante o dia. Ele sabia que era uma mistura irresistível de Marlon Brando com Woody Allen, de forma que ela certamente cairia por ele em breve, então aceitou.
E então, no terceiro dia, estavam finalmente chegando perto de uma cidade maior e conseguiram carona num caminhão de bóias-frias. O clima na traseira do caminhão pareceu tenso desde início. Aqueles pobres trabalhadores rurais, suados, cansados, com meses de trabalho escravo nas costas sem comer ninguém. Eram doze. Um deles sussurrou algo ao motorista e o caminhão parou.
O rapaz deu um pulo. A coisa estava indo longe demais, cada dia pior, era dever dele como homem defender a moça, para conquistá-la de vez:
- Ninguém toca nela, me ouviram? Ninguém vai tocar nela! Chega, acabou essa palhaçada! – bradou ele.
- Que isso, meu rapaz? Aqui a gente é respeitador, não ia fazer uma coisa dessas com uma moça, não, não é? – perguntou um dos trabalhadores aos demais.
- É isso aí! Queremos o viadinho de topete, o que parece o Marlon Brando.
Ela se afastou do caminhão, por pudor, e esperou sob a sombra de uma grande árvore enquanto os doze se revezavam sobre seu companheiro de viagem. Depois seguiram o rumo e nunca mais tocaram no assunto ou voltaram a se ver.
No primeiro dia ela só teve que levantar a blusa e mostrar os peitinhos e tudo transcorreu em paz. Foi uma bela carona, quase trezentos quilômetros e os dois, ela e o cara com óculos de aro fino, conseguiram sair do meio do nada empoeirado para chegar ao lugar nenhum cheio de pó. Fizeram feliz um motorista que há muito tempo não via peitinhos, principalmente peitinhos firmes como aqueles.
O casal estava preparado, carregava uma barraca iglu, isolantes térmicos, pão seco, meio quilo de castanhas e, ainda, biscoitinhos de soja e guaraná em pó. Com isso poderiam encarar qualquer coisa que viesse pela frente. Naquela noite ele tentou finalmente conseguir algum avanço com ela que fosse além dos beijinhos iniciais. Estavam viajando há muito tempo juntos e o companheirismo era grande. Some-se a isso que ele vira, pela primeira vez, os peitinhos dela nessa tarde, o que fez a felicidade não só do caminhoneiro, mas dele também.
Ela consentiu aos poucos com alguns beijinhos e permitiu umas apalpadas, mas ficou nisso. Disse que estava cansada, precisavam dormir e tal. Ele tinha certeza que se insistisse mais, conseguiria, mas tinham muita viagem pela frente e não quis apressar as coisas, quis curtir com calma a conquista inevitável. Já ela ficou feliz por não ter que queimar ainda naquela noite o papo de que eram amigos e tal e cortar o cara, o que azedaria a viagem.
No segundo dia foi cruel, andaram por horas a fio e nada de nenhum veículo passar. Chegaram por fim num boteco no meio do nada onde só havia o dono do local, completamente bêbado, que consentiu em dar uma carona a eles. No meio do caminho o cara parou e disse que só tocava adiante se ela lhe desse uma chupada. Depois de muita negociação o combinado ficou em uns beijos e amassos e a viagem continuou.
Armaram novamente a barraca perto da estrada naquela noite e ele achou que ia se dar bem, mas ela o dispensou dizendo que ficara meio traumatizada com o que ocorrera durante o dia. Ele sabia que era uma mistura irresistível de Marlon Brando com Woody Allen, de forma que ela certamente cairia por ele em breve, então aceitou.
E então, no terceiro dia, estavam finalmente chegando perto de uma cidade maior e conseguiram carona num caminhão de bóias-frias. O clima na traseira do caminhão pareceu tenso desde início. Aqueles pobres trabalhadores rurais, suados, cansados, com meses de trabalho escravo nas costas sem comer ninguém. Eram doze. Um deles sussurrou algo ao motorista e o caminhão parou.
O rapaz deu um pulo. A coisa estava indo longe demais, cada dia pior, era dever dele como homem defender a moça, para conquistá-la de vez:
- Ninguém toca nela, me ouviram? Ninguém vai tocar nela! Chega, acabou essa palhaçada! – bradou ele.
- Que isso, meu rapaz? Aqui a gente é respeitador, não ia fazer uma coisa dessas com uma moça, não, não é? – perguntou um dos trabalhadores aos demais.
- É isso aí! Queremos o viadinho de topete, o que parece o Marlon Brando.
Ela se afastou do caminhão, por pudor, e esperou sob a sombra de uma grande árvore enquanto os doze se revezavam sobre seu companheiro de viagem. Depois seguiram o rumo e nunca mais tocaram no assunto ou voltaram a se ver.
02/09/2010
A arte da derrota
Eu parei de me interessar por futebol em algum lugar ali entre a infância e a adolescência, e boa parte da culpa era desse sujeito da escola.
Era um daqueles tipos insuportáveis, antipáticos, que ia para a educação física tagarelando sem parar, dizendo que era melhor, que podia jogar sozinho contra o outro time, mais capaz, que tinha feito escolinha no Avaí e por aí vai.
Ninguém suportava o sujeito.
Mas o que todo mundo odiava nele, mais que a tagarelice, era que mal começava o jogo e o sujeito ia perdendo a pose. Perdia as bolas, dava bicão pra longe, tomava sempre o drible pelo meio das pernas e, quando isso acontecia, ficava furioso, queria cair na porrada, partia pra cima dos outros pra tentar quebrar uma perna ou joelho na dividida.
É claro que o professor tentava acalmar e conter o cara, e dava uma, duas, sucessivas faltas. Foi aí que ele começou a apelar de vez e, antes mesmo do jogo começar, já começava a dizer que o juiz era ladrão, que estava em conluio com o outro time, que ele era vítima de um complô. Quando começava a levar cartão depois de dar socos no time adversário ele justificava: Tão vendo? Não disse que o juiz era ladrão?
Essa são coisas que não deveriam contaminar a visão que a gente tem do esporte, mas infelizmente vai desgastando. A gente começa associar o esporte com a sujeira e logo desanima. Passei para outras opções mais interessantes, como hockey no gelo, basquete, e, por fim, vôlei feminino, um esporte que é uma mistura de graça, elegância e desfile de modelos.
As décadas passam e a gente vai esquecendo e perdoando certas coisas e mal se lembra do que aconteceu nos campinhos de várzea da infância perdida nos anos 60. Outro dia o sujeito me aparece do nada, dizendo que queria reunir o pessoal para jogar outra vez, relembrar os velhos tempos.
Mal começa a partida e vêm a tona outra vez as memórias daquele tempo, só que numa versão piorada. O sujeito já quase idoso, misturando agora uma certa paranóia senil aos mesmos truques, a mesma violência contra adversários, a mesma tentativa vergonhosa de tentar ganhar através da calúnia ou no tapetão.
Mas se ele era o mesmo, ainda piorado, nós certamente não éramos. Há muito já havíamos deixado aquela infância que se deixa levar por maus perdedores. Um coisa é perder, algo que não é desonra, mas um exercício de superação moral, outra é apelar para a calúnia e agressão quando percebe a inevitabilidade da derrota. Mas agora nos tornamos adultos e os velhos golpes não colam mais.
Era um daqueles tipos insuportáveis, antipáticos, que ia para a educação física tagarelando sem parar, dizendo que era melhor, que podia jogar sozinho contra o outro time, mais capaz, que tinha feito escolinha no Avaí e por aí vai.
Ninguém suportava o sujeito.
Mas o que todo mundo odiava nele, mais que a tagarelice, era que mal começava o jogo e o sujeito ia perdendo a pose. Perdia as bolas, dava bicão pra longe, tomava sempre o drible pelo meio das pernas e, quando isso acontecia, ficava furioso, queria cair na porrada, partia pra cima dos outros pra tentar quebrar uma perna ou joelho na dividida.
É claro que o professor tentava acalmar e conter o cara, e dava uma, duas, sucessivas faltas. Foi aí que ele começou a apelar de vez e, antes mesmo do jogo começar, já começava a dizer que o juiz era ladrão, que estava em conluio com o outro time, que ele era vítima de um complô. Quando começava a levar cartão depois de dar socos no time adversário ele justificava: Tão vendo? Não disse que o juiz era ladrão?
Essa são coisas que não deveriam contaminar a visão que a gente tem do esporte, mas infelizmente vai desgastando. A gente começa associar o esporte com a sujeira e logo desanima. Passei para outras opções mais interessantes, como hockey no gelo, basquete, e, por fim, vôlei feminino, um esporte que é uma mistura de graça, elegância e desfile de modelos.
As décadas passam e a gente vai esquecendo e perdoando certas coisas e mal se lembra do que aconteceu nos campinhos de várzea da infância perdida nos anos 60. Outro dia o sujeito me aparece do nada, dizendo que queria reunir o pessoal para jogar outra vez, relembrar os velhos tempos.
Mal começa a partida e vêm a tona outra vez as memórias daquele tempo, só que numa versão piorada. O sujeito já quase idoso, misturando agora uma certa paranóia senil aos mesmos truques, a mesma violência contra adversários, a mesma tentativa vergonhosa de tentar ganhar através da calúnia ou no tapetão.
Mas se ele era o mesmo, ainda piorado, nós certamente não éramos. Há muito já havíamos deixado aquela infância que se deixa levar por maus perdedores. Um coisa é perder, algo que não é desonra, mas um exercício de superação moral, outra é apelar para a calúnia e agressão quando percebe a inevitabilidade da derrota. Mas agora nos tornamos adultos e os velhos golpes não colam mais.
25/08/2010
Mês do desgosto
A bala saiu da pistola com um estampido seco, furando o pijama listrado, atravessando o peito e o coração, matando com pressa. Já se vão lá 56 anos e o suicídio de Vargas, em 24 de agosto de 1954 continua assombrando a memória nacional.
É como uma espécie de sebastianismo às avessas, aquela frase famosa de sua carta testamento de que deixa a vida para entrar na história acabou por se transformar em uma ameaça contra seus opositores, como o fantasma que vem puxar o lençol da cama de seu desafeto. Finda a vida para se perpetuar na memória como mito, como eterna vingança contra seus oponentes, que ao revidar precisam desferir socos inúteis em fantasmas intangíveis.
E convenhamos que, como mito fundador da nacionalidade, é algo muito mais interessante que um sujeito diletante em calças coloridas e ares entediados que pára na beira de um córrego e, num arremedo patético da história americana, copia aquela frase famosa dita por Patrick Henry, em 1775, ao convencer o segundo maior estado americano da época, a Virginia, a entrar na luta pela independência: “dê-me liberdade ou dê-me a morte!”
O suicídio de Getúlio, senão por qualquer outro motivo, já é infinitamente mais interessante como mito fundador simplesmente por se tratar de uma história original, um drama autêntico, não uma repetição farsesca macaqueada de outras nações.
Mas acresce aí o fato de que a personagem é também das mais complexas, que com aquele suicídio conseguiu sair da posição de carrasco ditador para vítima e mártir da nação. É o paradoxo pulsante na história, como sempre foi em nosso país, desde os abolicionistas donos de escravos.
Mais que isso, ao contrário do mito português do sebastianismo, em que esse rei vive e voltará para ajudar o povo português, o mito de Vargas se fundou na premissa oposta, de que o homem morre mas o mito permanecerá para sempre.
E demorou quarenta anos para que os sucessores da UDN, mesmo tendo dado o golpe em 64, resolvessem se insurgir contra o legado de Vargas e tentar matá-lo pela segunda vez, destruindo o estado nacional, sucateando e vendendo as empresas criadas por Vargas, eliminando por fim os direitos trabalhistas que aquele criara.
Eu não acredito em fantasmas, mas há de se convir que esse anda assustando por aí. Na década seguinte ele deu o troco, fazendo o Estado getulista triunfar em meio à crise econômica em agosto de 2008 e agora, em agosto de 2010, vindo dar o tiro de misericórdia naqueles que pretenderam matá-lo. Um assombro!
É como uma espécie de sebastianismo às avessas, aquela frase famosa de sua carta testamento de que deixa a vida para entrar na história acabou por se transformar em uma ameaça contra seus opositores, como o fantasma que vem puxar o lençol da cama de seu desafeto. Finda a vida para se perpetuar na memória como mito, como eterna vingança contra seus oponentes, que ao revidar precisam desferir socos inúteis em fantasmas intangíveis.
E convenhamos que, como mito fundador da nacionalidade, é algo muito mais interessante que um sujeito diletante em calças coloridas e ares entediados que pára na beira de um córrego e, num arremedo patético da história americana, copia aquela frase famosa dita por Patrick Henry, em 1775, ao convencer o segundo maior estado americano da época, a Virginia, a entrar na luta pela independência: “dê-me liberdade ou dê-me a morte!”
O suicídio de Getúlio, senão por qualquer outro motivo, já é infinitamente mais interessante como mito fundador simplesmente por se tratar de uma história original, um drama autêntico, não uma repetição farsesca macaqueada de outras nações.
Mas acresce aí o fato de que a personagem é também das mais complexas, que com aquele suicídio conseguiu sair da posição de carrasco ditador para vítima e mártir da nação. É o paradoxo pulsante na história, como sempre foi em nosso país, desde os abolicionistas donos de escravos.
Mais que isso, ao contrário do mito português do sebastianismo, em que esse rei vive e voltará para ajudar o povo português, o mito de Vargas se fundou na premissa oposta, de que o homem morre mas o mito permanecerá para sempre.
E demorou quarenta anos para que os sucessores da UDN, mesmo tendo dado o golpe em 64, resolvessem se insurgir contra o legado de Vargas e tentar matá-lo pela segunda vez, destruindo o estado nacional, sucateando e vendendo as empresas criadas por Vargas, eliminando por fim os direitos trabalhistas que aquele criara.
Eu não acredito em fantasmas, mas há de se convir que esse anda assustando por aí. Na década seguinte ele deu o troco, fazendo o Estado getulista triunfar em meio à crise econômica em agosto de 2008 e agora, em agosto de 2010, vindo dar o tiro de misericórdia naqueles que pretenderam matá-lo. Um assombro!
20/08/2010
19/08/2010
Noites em fuso
As amizades são coisas inevitáveis. Laços de demência que juntam pessoas completamente diferentes. Como esse amigo de infância que me chamava uma vez por ano pra ir num boteco, me alugando a noite inteira com sua paranóia e fixação em guerras.
Eu nunca entendi porque ia, talvez porque me divertisse com aquilo, com o aprofundamento gradual da doença. Nesse ano, na última vez que o vi, ele estava excitado com a idéia de que deveríamos invadir a Bolívia. Era moleza, segundo ele, era só terminar o serviço que começamos quando lhes roubamos o Acre. Quase que uma missão histórica, que poderia render muito gás, prata e lítio.
Eu me diverti naquela noite e voltei pra casa me perguntando como pode ter gente que acredita em tais sandices. Segundo ele, o futuro da diplomacia internacional era a política de pátio de escola: fugir dos caras grandes e bater nos caras menores.
Eu ria, mas alguma coisa em mim vislumbrava um futuro sombrio naquilo tudo. Foi naquela noite que cheguei em casa cansado e não conseguia dormir com o barulho ao lado. Lá morava um senhor idoso, muito idoso, que encarava um câncer já em estágio avançado. Com a progressão da dor e a iminência da morte, nem a morfina lhe trazia mais conforto e alívio. O médico então lhe receitou o uso terapêutico de maconha, que, embora muito eficiente no combate à dor, deixava o velho com essas crises incontroláveis de riso quando ele exagerava a dose.
Dormi um sono intraquilo, atormentado pelas idéias do meu amigo e a risada abafada e incontrolável do velho. Acostumei-me com aquilo noite após noite. A risada fazia altos e baixos, como rajadas de metralhadora, quando numa dessas noites acordei com os estrondos fortes das bombas caindo. Bombas de alto impacto, do tipo arrasa-quarteirões, seguidas do barulho de combate aéreo, tiros, muitos tiros, gritos e lamentos e sirenes.
Então um silêncio muito profundo e o assobio muito distante de uma bomba chegando. Uma única bomba. A bomba. Aquela que vinha para cozinhar e devastar todos os vivos num raio de centenas de quilômetros. Mil vezes mais forte que Hiroshima ou Nagasaki.
Corri para a rua para ver a destruição final, a chegada da morte em carruagem alada, quando o som da risada do velho me chamou novamente a atenção. O mundo fervia, murchava e morria e ele continuava rindo. Ele e a família entraram num abrigo nuclear no porão da casa e me chamaram. Entramos, selamos a porta maciça, tudo escuro, o velho ria e o mundo, lá fora, começava a queimar e derreter.
Eu nunca entendi porque ia, talvez porque me divertisse com aquilo, com o aprofundamento gradual da doença. Nesse ano, na última vez que o vi, ele estava excitado com a idéia de que deveríamos invadir a Bolívia. Era moleza, segundo ele, era só terminar o serviço que começamos quando lhes roubamos o Acre. Quase que uma missão histórica, que poderia render muito gás, prata e lítio.
Eu me diverti naquela noite e voltei pra casa me perguntando como pode ter gente que acredita em tais sandices. Segundo ele, o futuro da diplomacia internacional era a política de pátio de escola: fugir dos caras grandes e bater nos caras menores.
Eu ria, mas alguma coisa em mim vislumbrava um futuro sombrio naquilo tudo. Foi naquela noite que cheguei em casa cansado e não conseguia dormir com o barulho ao lado. Lá morava um senhor idoso, muito idoso, que encarava um câncer já em estágio avançado. Com a progressão da dor e a iminência da morte, nem a morfina lhe trazia mais conforto e alívio. O médico então lhe receitou o uso terapêutico de maconha, que, embora muito eficiente no combate à dor, deixava o velho com essas crises incontroláveis de riso quando ele exagerava a dose.
Dormi um sono intraquilo, atormentado pelas idéias do meu amigo e a risada abafada e incontrolável do velho. Acostumei-me com aquilo noite após noite. A risada fazia altos e baixos, como rajadas de metralhadora, quando numa dessas noites acordei com os estrondos fortes das bombas caindo. Bombas de alto impacto, do tipo arrasa-quarteirões, seguidas do barulho de combate aéreo, tiros, muitos tiros, gritos e lamentos e sirenes.
Então um silêncio muito profundo e o assobio muito distante de uma bomba chegando. Uma única bomba. A bomba. Aquela que vinha para cozinhar e devastar todos os vivos num raio de centenas de quilômetros. Mil vezes mais forte que Hiroshima ou Nagasaki.
Corri para a rua para ver a destruição final, a chegada da morte em carruagem alada, quando o som da risada do velho me chamou novamente a atenção. O mundo fervia, murchava e morria e ele continuava rindo. Ele e a família entraram num abrigo nuclear no porão da casa e me chamaram. Entramos, selamos a porta maciça, tudo escuro, o velho ria e o mundo, lá fora, começava a queimar e derreter.
29/07/2010
Funfando Darwin
O segredo de roubar todo o dinheiro de alguém no jogo não é roubar no jogo, o que é óbvio demais, mas usar truques de confiança para fazer o sujeito acreditar que o jogo é mais fácil do que realmente é. É o caso daquelas banquinhas que vemos em filmes americanos em que o sujeito embaralha três cartas de cabeça para baixo e o apostador tem que adivinhar qual delas é o ás ou a dama de espadas. O truque sujo ali não é remover a carta certa ou incluir mais de uma, mas o uso de comparsas. Há dois papéis distintos, o do grupo que fica em volta fazendo claque, gerando curiosidade e dando um ar de legitimidade para a coisa, como se fossem testemunhas isentas, e a pessoa que fica jogando e vencendo sempre, para dar a impressão de que o jogo é fácil e entusiasmar a vítima do golpe a apostar. Uma vez que a vítima aposta, a habilidade do embaralhador se mostra de fato e limpa o sujeito.
Ainda que imoral, o recurso é amplamente utilizado ainda hoje. Por exemplo em programas de auditório, que pagam pessoas para sentar na platéia e rir ou aplaudir, estimulando os outros a fazer o mesmo. Ou ainda entre cassinos que pagam pessoas para andar entre as mesas de jogos apostando, para incentivar os outros a também fazerem, muito embora o dinheiro que ele aposte é do próprio cassino e a jogada é toda fictícia. Na sinuca o golpe é duas pessoas entrarem numa mesa de aposta fingindo não se conhecerem, mas uma não mata a bola do outro e posiciona a bola branca na mesa para dificultar que a do outro caia, enquanto o outro faz jogadas arriscas derrubando as bolas dos demais, isto é, um ataca, outro defende, uma armação que rende muito dinheiro, ou uma boa surra, caso descoberta.
Foi aí que decidimos que íamos rapar toda a grana de Darwin. Catilina, o notório traidor romano que tentou derrubar a República no século I antes da Era Comum, fingiu-se de amigo de Darwin para atraí-lo a nossa roda semanal de poker, que andava meio falida desde que a condessa Bathory começara a apelar para cirurgias plásticas, como uma alternativa moderna para o banho com sangue de crianças, do qual ele vinha se abstendo desde sua condenação pela morte de oitenta delas no século XVII.
O esquema estava montado, todo iriam perder de propósito e deixar que Genghis Khan viesse com as boas mãos e ganhasse o bolo, enquanto Diógenes, o cínico, iria aumentando as apostas, para fazer o cientista inglês apostar mais e perder tudo.
“Fünf Karten”, disse a condessa, e o jogo começou...
Ainda que imoral, o recurso é amplamente utilizado ainda hoje. Por exemplo em programas de auditório, que pagam pessoas para sentar na platéia e rir ou aplaudir, estimulando os outros a fazer o mesmo. Ou ainda entre cassinos que pagam pessoas para andar entre as mesas de jogos apostando, para incentivar os outros a também fazerem, muito embora o dinheiro que ele aposte é do próprio cassino e a jogada é toda fictícia. Na sinuca o golpe é duas pessoas entrarem numa mesa de aposta fingindo não se conhecerem, mas uma não mata a bola do outro e posiciona a bola branca na mesa para dificultar que a do outro caia, enquanto o outro faz jogadas arriscas derrubando as bolas dos demais, isto é, um ataca, outro defende, uma armação que rende muito dinheiro, ou uma boa surra, caso descoberta.
Foi aí que decidimos que íamos rapar toda a grana de Darwin. Catilina, o notório traidor romano que tentou derrubar a República no século I antes da Era Comum, fingiu-se de amigo de Darwin para atraí-lo a nossa roda semanal de poker, que andava meio falida desde que a condessa Bathory começara a apelar para cirurgias plásticas, como uma alternativa moderna para o banho com sangue de crianças, do qual ele vinha se abstendo desde sua condenação pela morte de oitenta delas no século XVII.
O esquema estava montado, todo iriam perder de propósito e deixar que Genghis Khan viesse com as boas mãos e ganhasse o bolo, enquanto Diógenes, o cínico, iria aumentando as apostas, para fazer o cientista inglês apostar mais e perder tudo.
“Fünf Karten”, disse a condessa, e o jogo começou...
22/07/2010
Ligações
A chuva castiga a janela, o telefone toca, o cheiro de café continua aquecendo a casa. Na escuridão do meio da tarde de inverno, penso em Rubem Fonseca, João Ubaldo, Fausto Wolff, no pessoal da velha geração.
A geração deles e a minha tem muito pouco em comum, afastada não só por uma geração intermediária, cujos heróis morreram de overdose, mas por uma ditadura civil-militar no meio que esfacelou em duas décadas toda nossa cultura.
Foi uma geração de sorte a deles, que viveu em um país completamente diferente, menos tresloucado, e que deixa um vácuo na atualidade cada vez que um desses senhores sai de cena, como o grande Fausto. Em comum, entre a minha geração e a deles, só um tiro de espingarda na cabeça, ou mais precisamente, as mortes de Hemingway e Kurt Cobain. Hemingway, como se sabe, foi um dos grandes escritores americanos, talvez o maior. Já a minha geração ficou com Cobain que, embora tenha renovado por alguns anos o cenário musical, marcou mais pela exótica performance de se masturbar no palco em um show no Brasil. Por aí tem-se em conta as diferenças entre aquela geração e a minha.
A chuva castiga a janela com mais força ainda, com raiva mesmo. O telefone continua tocando. E o cheiro do café dá mais densidade ao ambiente escuro. Eu nunca entendo porque as pessoas continuam tentando me ligar. Daí reclamam que não tenho celular. Então quando comprei um era aquele inferno: o telefone tocava, tocava, tocava por infindáveis minutos. Aí parava. Aí a pessoa ligava pro celular, que tocava outros tantos minutos. Tentava mais uma vez o telefone e outra o celular, quando então finalmente desistia e esperava meia hora para começar tudo de novo. Aí me encontrava na rua e ainda me enchia o saco que eu nunca atendia o celular, o que me obrigou a devolvê-lo à operadora, pois só duplicava meus problemas, ao invés de resolvê-los.
E o telefone ainda toca e a chuva cai, enquanto o café se esvai. Ah, o cheiro, tão mil vezes melhor do que o som! A sinuosidade sensual da xícara, em contraste com a feiúra futurista do telefone.
Sinto que alguma coisa se perde, alguma coisa que se vai junto com as pessoas que conheceram aquele outro país, e que se mantém por um fio com aqueles que ainda estão por aqui. A própria história se perde, abafada pelo peso dos livros. Não é algo casual, é uma guerra, a disputa da geração que hoje está no poder se irá receber o legado daquela geração anterior ao golpe ou continuará a tarefa da ditadura de destruí-la.
Por aqui o telefone ainda toca.
A geração deles e a minha tem muito pouco em comum, afastada não só por uma geração intermediária, cujos heróis morreram de overdose, mas por uma ditadura civil-militar no meio que esfacelou em duas décadas toda nossa cultura.
Foi uma geração de sorte a deles, que viveu em um país completamente diferente, menos tresloucado, e que deixa um vácuo na atualidade cada vez que um desses senhores sai de cena, como o grande Fausto. Em comum, entre a minha geração e a deles, só um tiro de espingarda na cabeça, ou mais precisamente, as mortes de Hemingway e Kurt Cobain. Hemingway, como se sabe, foi um dos grandes escritores americanos, talvez o maior. Já a minha geração ficou com Cobain que, embora tenha renovado por alguns anos o cenário musical, marcou mais pela exótica performance de se masturbar no palco em um show no Brasil. Por aí tem-se em conta as diferenças entre aquela geração e a minha.
A chuva castiga a janela com mais força ainda, com raiva mesmo. O telefone continua tocando. E o cheiro do café dá mais densidade ao ambiente escuro. Eu nunca entendo porque as pessoas continuam tentando me ligar. Daí reclamam que não tenho celular. Então quando comprei um era aquele inferno: o telefone tocava, tocava, tocava por infindáveis minutos. Aí parava. Aí a pessoa ligava pro celular, que tocava outros tantos minutos. Tentava mais uma vez o telefone e outra o celular, quando então finalmente desistia e esperava meia hora para começar tudo de novo. Aí me encontrava na rua e ainda me enchia o saco que eu nunca atendia o celular, o que me obrigou a devolvê-lo à operadora, pois só duplicava meus problemas, ao invés de resolvê-los.
E o telefone ainda toca e a chuva cai, enquanto o café se esvai. Ah, o cheiro, tão mil vezes melhor do que o som! A sinuosidade sensual da xícara, em contraste com a feiúra futurista do telefone.
Sinto que alguma coisa se perde, alguma coisa que se vai junto com as pessoas que conheceram aquele outro país, e que se mantém por um fio com aqueles que ainda estão por aqui. A própria história se perde, abafada pelo peso dos livros. Não é algo casual, é uma guerra, a disputa da geração que hoje está no poder se irá receber o legado daquela geração anterior ao golpe ou continuará a tarefa da ditadura de destruí-la.
Por aqui o telefone ainda toca.
13/07/2010
Miss Vagina Head
arte moderna, uma perfomance neo feminista burlesca, ou algo assim:
http://www.emmabuggy.com/MissVaginaHead.html
http://www.emmabuggy.com/MissVaginaHead.html
16/06/2010
O herói Lee Oswald
Eu me lembro de um dos meus livros favoritos na adolescência em que o protagonista precisa decidir se mata ou não um candidato a presidente, sabendo que aquele sujeito, se eleito, levará o mundo a uma guerra nuclear. O dilema é interessante, mas só muito tempo depois percebi que vai muito além da ficção, e tenho certeza mesmo que se inspirou no assassinato de Kennedy.
Kennedy, idolatrado pela mídia como um ídolo repleto de mulheres, era um maníaco.Em 1962, durante a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, Kennedy perguntou a seus assessores o que aconteceria se a crise progredisse para um conflito nuclear com os russos. Os ministros militares, aflitos, explicaram as consequências e a devastação decorrentes de tal guerra. Kennedy, impassível, apenas perguntou quem ganharia, e diante da resposta de que o mundo sairia arrasado, mas seu país ganharia a guerra, ainda que também devastado, ele foi implacável e mandou que atacassem. Coube ao seu ministro da defesa, McNamara, dissuadi-lo da guerra e convencer o presidente a uma saída negociada, que por fim ocorreu. Ali o mundo esteve por um fio.
Mas a beligerância de Kennedy não era somente contra os russos. Segundo o jornalista Flávio Tavares, nosso presidente brasileiro estava na Itália quando foi chamado por Kennedy para uma conversa particular, onde Kennedy mostrou uma mapa mundial com alvos no mundo inteiro para um ataque nuclear imediato, se necessário, num grosseiro exercício de intimidação contra outro Estado, contra nós, mais exatamente.
Mais dia, menos dia, e Kennedy, obcecado como era pela idéia, iniciaria uma guerra nuclear. Foi Lee Oswald quem salvou o mundo naquele 22 de novembro de 1963, ao explodir os miolos de Kennedy num desfile em carro aberto. Devemos a Lee Oswald o mundo como é hoje, sem imensas áreas devastadas e isoladas pela radiação, inverno nuclear etc. Dois dias depois, Lee Oswald foi também assassinado, por um empresário, que morreu alguns anos depois de câncer, um carrossel de mortes que inspirou as mais variadas teorias conspiratórias.
O pior de tudo foi que, apesar de Oswald, a besta da guerra logo trocou uma cabeça por outra. Foi o sucessor de Kennedy, Lyndon Johnson, quem iniciou a guerra do Vietnã e patrocinou o golpe militar que derrubou o governo brasileiro eleito para instaurar duas décadas de ditadura. Ditadura que ainda hoje tenta voltar, agora inspirada em golpes judiciais, como o que derrubou Zelaya, em Honduras. Há coisas que nunca mudam...
Kennedy, idolatrado pela mídia como um ídolo repleto de mulheres, era um maníaco.Em 1962, durante a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, Kennedy perguntou a seus assessores o que aconteceria se a crise progredisse para um conflito nuclear com os russos. Os ministros militares, aflitos, explicaram as consequências e a devastação decorrentes de tal guerra. Kennedy, impassível, apenas perguntou quem ganharia, e diante da resposta de que o mundo sairia arrasado, mas seu país ganharia a guerra, ainda que também devastado, ele foi implacável e mandou que atacassem. Coube ao seu ministro da defesa, McNamara, dissuadi-lo da guerra e convencer o presidente a uma saída negociada, que por fim ocorreu. Ali o mundo esteve por um fio.
Mas a beligerância de Kennedy não era somente contra os russos. Segundo o jornalista Flávio Tavares, nosso presidente brasileiro estava na Itália quando foi chamado por Kennedy para uma conversa particular, onde Kennedy mostrou uma mapa mundial com alvos no mundo inteiro para um ataque nuclear imediato, se necessário, num grosseiro exercício de intimidação contra outro Estado, contra nós, mais exatamente.
Mais dia, menos dia, e Kennedy, obcecado como era pela idéia, iniciaria uma guerra nuclear. Foi Lee Oswald quem salvou o mundo naquele 22 de novembro de 1963, ao explodir os miolos de Kennedy num desfile em carro aberto. Devemos a Lee Oswald o mundo como é hoje, sem imensas áreas devastadas e isoladas pela radiação, inverno nuclear etc. Dois dias depois, Lee Oswald foi também assassinado, por um empresário, que morreu alguns anos depois de câncer, um carrossel de mortes que inspirou as mais variadas teorias conspiratórias.
O pior de tudo foi que, apesar de Oswald, a besta da guerra logo trocou uma cabeça por outra. Foi o sucessor de Kennedy, Lyndon Johnson, quem iniciou a guerra do Vietnã e patrocinou o golpe militar que derrubou o governo brasileiro eleito para instaurar duas décadas de ditadura. Ditadura que ainda hoje tenta voltar, agora inspirada em golpes judiciais, como o que derrubou Zelaya, em Honduras. Há coisas que nunca mudam...
20/04/2010
Gritos
Eu sempre achei que quando a foice da morte finalmente encontrasse meu corpo e rasgasse minhas vísceras, poupando o mundo de minha presença, grafariam em minha tumba aquele grito que desde a infância instalou-se em minha memória e continua, desde então, lá, ecoando. É o grito de Lucélia Santos no filme baseado em história de Nelson Rodrigues chamado “Bonitinha, mas ordinária”: Cachorrãããããããããããoooo!!!
Aquele grito, dito por aquele rosto, naquela cena... algo inesquecível.
Mas outro dia meu bom amigo Olsen Jr. me mandou outro grito que acho que não vou esquecer nunca, também. Eu já tinha ouvido falar da preciosidade que corria a internet, mas confesso que se não fosse o grande cronista me enviá-lo, eu jamais o teria visto, por pura preguiça.
É uma coisa impressionante mesmo. Começa com o relato da Cidinha Campos digno de filmes de ação narrando a pressa com que veio subindo as escadas esbaforida para tomar a palavra na tribuna. Dito isso começa a elencar todos os crimes e processos contra alguém que acabara de se candidatar ao Tribunal de Contas. É o momento do constrangimento. Algo impressionante. Aquele plenário tumultuado cheio de vozes e murmúrios e barulhos vai se silenciando até se tornar um silêncio trágico, pesado, devastador. Um túmulo recheado de homens vivos, todos fuzilados pela metralhadora verbal dela.
Quando parece que ela vai abandonar o cenário dos corpos e baixar as armas, percebemos que ela apenas trocou o disparo de projéteis pela bomba. É possível ouvir o barulho vindo de longe, crescendo, ganhando força, até estourar e explodir a realidade com sua larga sonoridade: Canaaaaaaaaaalhaaaassss!!!!! Canaaaaaaaaaalhaaaassss!!!!!
É a experiência verbal, teatral, real, mais destruidora. É aquilo que todos sabem, que todos pensam, que todos querem dizer. Mas não é dito como um grito abafado, solitário, escondido no meio da multidão. É um grito que vai se construindo, se formando, se ampliando, até que todo o som do mundo parece recuar antes de irromper, como as águas do mar que recuam subitamente antes da violência devastadora do tsunami.
Eu sei, é claro, que deveria estar falando dos filmes de Hillary Scott ao invés de temas mais mórbidos, mas parece que esse período de abril concentra tanto agouros como o mês de agosto. Dia 19 é dia dos índios, massacrados quase totalmente. Dia 21 a morte de Tiradentes, Tancredo e Mark Twain. E no período de 19 a 21, o massacre de dois mil judeus em Lisboa, em 1506. Eta semana...
Aquele grito, dito por aquele rosto, naquela cena... algo inesquecível.
Mas outro dia meu bom amigo Olsen Jr. me mandou outro grito que acho que não vou esquecer nunca, também. Eu já tinha ouvido falar da preciosidade que corria a internet, mas confesso que se não fosse o grande cronista me enviá-lo, eu jamais o teria visto, por pura preguiça.
É uma coisa impressionante mesmo. Começa com o relato da Cidinha Campos digno de filmes de ação narrando a pressa com que veio subindo as escadas esbaforida para tomar a palavra na tribuna. Dito isso começa a elencar todos os crimes e processos contra alguém que acabara de se candidatar ao Tribunal de Contas. É o momento do constrangimento. Algo impressionante. Aquele plenário tumultuado cheio de vozes e murmúrios e barulhos vai se silenciando até se tornar um silêncio trágico, pesado, devastador. Um túmulo recheado de homens vivos, todos fuzilados pela metralhadora verbal dela.
Quando parece que ela vai abandonar o cenário dos corpos e baixar as armas, percebemos que ela apenas trocou o disparo de projéteis pela bomba. É possível ouvir o barulho vindo de longe, crescendo, ganhando força, até estourar e explodir a realidade com sua larga sonoridade: Canaaaaaaaaaalhaaaassss!!!!! Canaaaaaaaaaalhaaaassss!!!!!
É a experiência verbal, teatral, real, mais destruidora. É aquilo que todos sabem, que todos pensam, que todos querem dizer. Mas não é dito como um grito abafado, solitário, escondido no meio da multidão. É um grito que vai se construindo, se formando, se ampliando, até que todo o som do mundo parece recuar antes de irromper, como as águas do mar que recuam subitamente antes da violência devastadora do tsunami.
Eu sei, é claro, que deveria estar falando dos filmes de Hillary Scott ao invés de temas mais mórbidos, mas parece que esse período de abril concentra tanto agouros como o mês de agosto. Dia 19 é dia dos índios, massacrados quase totalmente. Dia 21 a morte de Tiradentes, Tancredo e Mark Twain. E no período de 19 a 21, o massacre de dois mil judeus em Lisboa, em 1506. Eta semana...
19/04/2010
Pressão
É aquele dia em que você acorda atrasado e tem que sair correndo e já está na rua e se toca que esqueceu de urinar e está com um aperto danado na bexiga mas decide aguentar até chegar no trabalho para não se atrasar mais ainda. Eu odeio isso.
Mas era exatamente o que tinha acontecido e eu sentia cada músculo se contraindo e a vontade do corpo tentando romper a barreira muscular que obstruía o líquido enquanto eu andava com as pernas juntas para evitar qualquer movimento involuntário que resultasse em desastre.
Então o ônibus veio atrasado e entrei com dificuldade e aguentei a viagem toda sentindo aquela dor constante sem tréguas. O sujeito ao meu lado falava com outra pessoa sobre uma marca de água mineral e uma senhora em pé falava a outra sobre as delícias de um banho de cachoeira, amplificando e aprofundando a tortura que me afligia.
Finalmente cheguei no trabalho e fui correndo pro banheiro e mal entro na porta e dou uma geral nos indivíduos presentes e constato: lá está ele!
Ele, o matraqueador de banheiros! O sujeito com mil faces e personas distintas, mas sempre o mesmo. Paro no mictório e ele pára no do lado e pergunta: e o framengo ontem, hein?
É demais pra mim. Abaixo a cabeça concentrado fingindo que já estou urinando, mas é um blefe. Não sai um jato, uma gota, nada. Estou totalmente trancado por causa do cretino que insiste em matraquear do meu lado. Pode ser que ele seja um ou seja mil pessoas diferentes a me perseguir, mas será que não percebe o quão desumano é isso? A sacralidade do ato de excretar seus fluidos? A necessidade de solidão, de serenidade e reflexão? O instinto civilizatório que nos impede de realizar o ato na presença de estranhos? A paz mundial?
Finjo que acabei e saio dali, mais doído ainda do que entrei.
Trabalho mal, com vertigens e dores alucinantes. Chego a pensar em me esvair ali mesmo, no meio de meu cubículo, inventando depois uma doença para me desculpar. Quem sabe até não me dão uma folga? Ou férias? Quando a idéia começa a ficar boa demais para ser rejeitada resolvo tentar outra investida no banheiro. Já lá se vai metade do dia e o banheiro deve estar vazio e o matraqueador ausente.
Ahh, terrível engano, mal eu entro no recinto, e lá está ele. Outro rosto, outra voz, outra identidade, mas a mesma personagem de sempre. Vou até o mictório e começo a me concentrar. Lá da pia ele pergunta algo sobre o mapa do prédio. Me concentro ainda mais, com força, e lá vem o jato que trás o alívio e a graça para todos os seres da terra. E a paz dourada ao mundo retorna!
Mas era exatamente o que tinha acontecido e eu sentia cada músculo se contraindo e a vontade do corpo tentando romper a barreira muscular que obstruía o líquido enquanto eu andava com as pernas juntas para evitar qualquer movimento involuntário que resultasse em desastre.
Então o ônibus veio atrasado e entrei com dificuldade e aguentei a viagem toda sentindo aquela dor constante sem tréguas. O sujeito ao meu lado falava com outra pessoa sobre uma marca de água mineral e uma senhora em pé falava a outra sobre as delícias de um banho de cachoeira, amplificando e aprofundando a tortura que me afligia.
Finalmente cheguei no trabalho e fui correndo pro banheiro e mal entro na porta e dou uma geral nos indivíduos presentes e constato: lá está ele!
Ele, o matraqueador de banheiros! O sujeito com mil faces e personas distintas, mas sempre o mesmo. Paro no mictório e ele pára no do lado e pergunta: e o framengo ontem, hein?
É demais pra mim. Abaixo a cabeça concentrado fingindo que já estou urinando, mas é um blefe. Não sai um jato, uma gota, nada. Estou totalmente trancado por causa do cretino que insiste em matraquear do meu lado. Pode ser que ele seja um ou seja mil pessoas diferentes a me perseguir, mas será que não percebe o quão desumano é isso? A sacralidade do ato de excretar seus fluidos? A necessidade de solidão, de serenidade e reflexão? O instinto civilizatório que nos impede de realizar o ato na presença de estranhos? A paz mundial?
Finjo que acabei e saio dali, mais doído ainda do que entrei.
Trabalho mal, com vertigens e dores alucinantes. Chego a pensar em me esvair ali mesmo, no meio de meu cubículo, inventando depois uma doença para me desculpar. Quem sabe até não me dão uma folga? Ou férias? Quando a idéia começa a ficar boa demais para ser rejeitada resolvo tentar outra investida no banheiro. Já lá se vai metade do dia e o banheiro deve estar vazio e o matraqueador ausente.
Ahh, terrível engano, mal eu entro no recinto, e lá está ele. Outro rosto, outra voz, outra identidade, mas a mesma personagem de sempre. Vou até o mictório e começo a me concentrar. Lá da pia ele pergunta algo sobre o mapa do prédio. Me concentro ainda mais, com força, e lá vem o jato que trás o alívio e a graça para todos os seres da terra. E a paz dourada ao mundo retorna!
Pressão
É aquele dia em que você acorda atrasado e tem que sair correndo e já está na rua e se toca que esqueceu de urinar e está com um aperto danado na bexiga mas decide aguentar até chegar no trabalho para não se atrasar mais ainda. Eu odeio isso.
Mas era exatamente o que tinha acontecido e eu sentia cada músculo se contraindo e a vontade do corpo tentando romper a barreira muscular que obstruía o líquido enquanto eu andava com as pernas juntas para evitar qualquer movimento involuntário que resultasse em desastre.
Então o ônibus veio atrasado e entrei com dificuldade e aguentei a viagem toda sentindo aquela dor constante sem tréguas. O sujeito ao meu lado falava com outra pessoa sobre uma marca de água mineral e uma senhora em pé falava a outra sobre as delícias de um banho de cachoeira, amplificando e aprofundando a tortura que me afligia.
Finalmente cheguei no trabalho e fui correndo pro banheiro e mal entro na porta e dou uma geral nos indivíduos presentes e constato: lá está ele!
Ele, o matraqueador de banheiros! O sujeito com mil faces e personas distintas, mas sempre o mesmo. Paro no mictório e ele pára no do lado e pergunta: e o framengo ontem, hein?
É demais pra mim. Abaixo a cabeça concentrado fingindo que já estou urinando, mas é um blefe. Não sai um jato, uma gota, nada. Estou totalmente trancado por causa do cretino que insiste em matraquear do meu lado. Pode ser que ele seja um ou seja mil pessoas diferentes a me perseguir, mas será que não percebe o quão desumano é isso? A sacralidade do ato de excretar seus fluidos? A necessidade de solidão, de serenidade e reflexão? O instinto civilizatório que nos impede de realizar o ato na presença de estranhos? A paz mundial?
Finjo que acabei e saio dali, mais doído ainda do que entrei.
Trabalho mal, com vertigens e dores alucinantes. Chego a pensar em me esvair ali mesmo, no meio de meu cubículo, inventando depois uma doença para me desculpar. Quem sabe até não me dão uma folga? Ou férias? Quando a idéia começa a ficar boa demais para ser rejeitada resolvo tentar outra investida no banheiro. Já lá se vai metade do dia e o banheiro deve estar vazio e o matraqueador ausente.
Ahh, terrível engano, mal eu entro no recinto, e lá está ele. Outro rosto, outra voz, outra identidade, mas a mesma personagem de sempre. Vou até o mictório e começo a me concentrar. Lá da pia ele pergunta algo sobre o mapa do prédio. Me concentro ainda mais, com força, e lá vem o jato que trás o alívio e a graça para todos os seres da terra. E a paz dourada ao mundo retorna!
Mas era exatamente o que tinha acontecido e eu sentia cada músculo se contraindo e a vontade do corpo tentando romper a barreira muscular que obstruía o líquido enquanto eu andava com as pernas juntas para evitar qualquer movimento involuntário que resultasse em desastre.
Então o ônibus veio atrasado e entrei com dificuldade e aguentei a viagem toda sentindo aquela dor constante sem tréguas. O sujeito ao meu lado falava com outra pessoa sobre uma marca de água mineral e uma senhora em pé falava a outra sobre as delícias de um banho de cachoeira, amplificando e aprofundando a tortura que me afligia.
Finalmente cheguei no trabalho e fui correndo pro banheiro e mal entro na porta e dou uma geral nos indivíduos presentes e constato: lá está ele!
Ele, o matraqueador de banheiros! O sujeito com mil faces e personas distintas, mas sempre o mesmo. Paro no mictório e ele pára no do lado e pergunta: e o framengo ontem, hein?
É demais pra mim. Abaixo a cabeça concentrado fingindo que já estou urinando, mas é um blefe. Não sai um jato, uma gota, nada. Estou totalmente trancado por causa do cretino que insiste em matraquear do meu lado. Pode ser que ele seja um ou seja mil pessoas diferentes a me perseguir, mas será que não percebe o quão desumano é isso? A sacralidade do ato de excretar seus fluidos? A necessidade de solidão, de serenidade e reflexão? O instinto civilizatório que nos impede de realizar o ato na presença de estranhos? A paz mundial?
Finjo que acabei e saio dali, mais doído ainda do que entrei.
Trabalho mal, com vertigens e dores alucinantes. Chego a pensar em me esvair ali mesmo, no meio de meu cubículo, inventando depois uma doença para me desculpar. Quem sabe até não me dão uma folga? Ou férias? Quando a idéia começa a ficar boa demais para ser rejeitada resolvo tentar outra investida no banheiro. Já lá se vai metade do dia e o banheiro deve estar vazio e o matraqueador ausente.
Ahh, terrível engano, mal eu entro no recinto, e lá está ele. Outro rosto, outra voz, outra identidade, mas a mesma personagem de sempre. Vou até o mictório e começo a me concentrar. Lá da pia ele pergunta algo sobre o mapa do prédio. Me concentro ainda mais, com força, e lá vem o jato que trás o alívio e a graça para todos os seres da terra. E a paz dourada ao mundo retorna!
Pressão
É aquele dia em que você acorda atrasado e tem que sair correndo e já está na rua e se toca que esqueceu de urinar e está com um aperto danado na bexiga mas decide aguentar até chegar no trabalho para não se atrasar mais ainda. Eu odeio isso.
Mas era exatamente o que tinha acontecido e eu sentia cada músculo se contraindo e a vontade do corpo tentando romper a barreira muscular que obstruía o líquido enquanto eu andava com as pernas juntas para evitar qualquer movimento involuntário que resultasse em desastre.
Então o ônibus veio atrasado e entrei com dificuldade e aguentei a viagem toda sentindo aquela dor constante sem tréguas. O sujeito ao meu lado falava com outra pessoa sobre uma marca de água mineral e uma senhora em pé falava a outra sobre as delícias de um banho de cachoeira, amplificando e aprofundando a tortura que me afligia.
Finalmente cheguei no trabalho e fui correndo pro banheiro e mal entro na porta e dou uma geral nos indivíduos presentes e constato: lá está ele!
Ele, o matraqueador de banheiros! O sujeito com mil faces e personas distintas, mas sempre o mesmo. Paro no mictório e ele pára no do lado e pergunta: e o framengo ontem, hein?
É demais pra mim. Abaixo a cabeça concentrado fingindo que já estou urinando, mas é um blefe. Não sai um jato, uma gota, nada. Estou totalmente trancado por causa do cretino que insiste em matraquear do meu lado. Pode ser que ele seja um ou seja mil pessoas diferentes a me perseguir, mas será que não percebe o quão desumano é isso? A sacralidade do ato de excretar seus fluidos? A necessidade de solidão, de serenidade e reflexão? O instinto civilizatório que nos impede de realizar o ato na presença de estranhos? A paz mundial?
Finjo que acabei e saio dali, mais doído ainda do que entrei.
Trabalho mal, com vertigens e dores alucinantes. Chego a pensar em me esvair ali mesmo, no meio de meu cubículo, inventando depois uma doença para me desculpar. Quem sabe até não me dão uma folga? Ou férias? Quando a idéia começa a ficar boa demais para ser rejeitada resolvo tentar outra investida no banheiro. Já lá se vai metade do dia e o banheiro deve estar vazio e o matraqueador ausente.
Ahh, terrível engano, mal eu entro no recinto, e lá está ele. Outro rosto, outra voz, outra identidade, mas a mesma personagem de sempre. Vou até o mictório e começo a me concentrar. Lá da pia ele pergunta algo sobre o mapa do prédio. Me concentro ainda mais, com força, e lá vem o jato que trás o alívio e a graça para todos os seres da terra. E a paz dourada ao mundo retorna!
Mas era exatamente o que tinha acontecido e eu sentia cada músculo se contraindo e a vontade do corpo tentando romper a barreira muscular que obstruía o líquido enquanto eu andava com as pernas juntas para evitar qualquer movimento involuntário que resultasse em desastre.
Então o ônibus veio atrasado e entrei com dificuldade e aguentei a viagem toda sentindo aquela dor constante sem tréguas. O sujeito ao meu lado falava com outra pessoa sobre uma marca de água mineral e uma senhora em pé falava a outra sobre as delícias de um banho de cachoeira, amplificando e aprofundando a tortura que me afligia.
Finalmente cheguei no trabalho e fui correndo pro banheiro e mal entro na porta e dou uma geral nos indivíduos presentes e constato: lá está ele!
Ele, o matraqueador de banheiros! O sujeito com mil faces e personas distintas, mas sempre o mesmo. Paro no mictório e ele pára no do lado e pergunta: e o framengo ontem, hein?
É demais pra mim. Abaixo a cabeça concentrado fingindo que já estou urinando, mas é um blefe. Não sai um jato, uma gota, nada. Estou totalmente trancado por causa do cretino que insiste em matraquear do meu lado. Pode ser que ele seja um ou seja mil pessoas diferentes a me perseguir, mas será que não percebe o quão desumano é isso? A sacralidade do ato de excretar seus fluidos? A necessidade de solidão, de serenidade e reflexão? O instinto civilizatório que nos impede de realizar o ato na presença de estranhos? A paz mundial?
Finjo que acabei e saio dali, mais doído ainda do que entrei.
Trabalho mal, com vertigens e dores alucinantes. Chego a pensar em me esvair ali mesmo, no meio de meu cubículo, inventando depois uma doença para me desculpar. Quem sabe até não me dão uma folga? Ou férias? Quando a idéia começa a ficar boa demais para ser rejeitada resolvo tentar outra investida no banheiro. Já lá se vai metade do dia e o banheiro deve estar vazio e o matraqueador ausente.
Ahh, terrível engano, mal eu entro no recinto, e lá está ele. Outro rosto, outra voz, outra identidade, mas a mesma personagem de sempre. Vou até o mictório e começo a me concentrar. Lá da pia ele pergunta algo sobre o mapa do prédio. Me concentro ainda mais, com força, e lá vem o jato que trás o alívio e a graça para todos os seres da terra. E a paz dourada ao mundo retorna!
04/03/2010
Indústria cultural
Devo dizer que tenho sido maldoso. Li num desses lugares anônimos da internet que a crônica é um local de descanso e amenidades para o leitor fatigado da leitura de notícias pesadas e ácidas dos jornais, mas temo que tenho vos infligido justamente o oposto, oferecendo uma crônica pesada e ácida em meio às amenidades dos jornais. E a você, que é um membro de um grupo extremamente seleto de pessoas, cerca de uma em um bilhão, devo minhas sinceras desculpas.
Devo, porém, em minha defesa, dizer que não é uma culpa apenas minha. Longe já se vão os dias em que o trabalho de um escritor consistia em se isolar em um quarto imundo ponderando sobre a vida cotidiana. Hoje as coisas são outras, saímos da época da produção romântica para a indústria cultural, e o trabalho aqui acabado resulta na verdade de um batalhão de operários dos quais o escritor é apenas um gerente.
A começar, é preciso contratar e enviar cerca de uma dúzia de coletores de histórias por aí pelo mundo de avião. Então, espero as histórias chegarem. De Brasília um enviado manda a história do sujeito que conheceu a menina, dormiu com ela, e só no dia seguinte notou que ela não tinha um dos braços. De Rio Branco outro enviado manda a história de um general que pediu pombos verdes e amarelos e os soldados mataram duas dúzias de pombos pintando-os com tinta a óleo. Do Rio de Janeiro vem a história do sujeito que foi numa festa que acabou em uma grande briga de pitboys.
Nenhuma das histórias é boa o suficiente, então elas têm que ir para um grupo de redatores. A tarefa é dividida, cada um redige um parágrafo, por isso é necessário também, um redator geral para juntar as coisas depois. Aí passa por uns seis ou sete revisores, uma vez que os redatores geralmente são imigrantes ilegais, pois com isso se economiza na mão de obra, embora a maioria deles não domine nosso idioma.
Ainda, há o contrato com uma ONG que disponibiliza dez chimpanzés que ficam digitando aleatoriamente vinte e quatro horas por dia, num regime ininterrupto que só pode ser mantido com muito café, cigarro e anfetamina, o que também eleva os custos de produção da crônica.
Por fim chegam os dois textos prontos para mim, o escritor, que como chefe do empreendimento literário devo escolher entre o texto dos homens ou o dos chimpanzés, que então é publicado. Constato, com orgulho, que nós homens normalmente ganhamos e apenas em 35% das vezes o texto dos chimpanzés tem mais brilho ou inteligência. E assim as coisas são.
Devo, porém, em minha defesa, dizer que não é uma culpa apenas minha. Longe já se vão os dias em que o trabalho de um escritor consistia em se isolar em um quarto imundo ponderando sobre a vida cotidiana. Hoje as coisas são outras, saímos da época da produção romântica para a indústria cultural, e o trabalho aqui acabado resulta na verdade de um batalhão de operários dos quais o escritor é apenas um gerente.
A começar, é preciso contratar e enviar cerca de uma dúzia de coletores de histórias por aí pelo mundo de avião. Então, espero as histórias chegarem. De Brasília um enviado manda a história do sujeito que conheceu a menina, dormiu com ela, e só no dia seguinte notou que ela não tinha um dos braços. De Rio Branco outro enviado manda a história de um general que pediu pombos verdes e amarelos e os soldados mataram duas dúzias de pombos pintando-os com tinta a óleo. Do Rio de Janeiro vem a história do sujeito que foi numa festa que acabou em uma grande briga de pitboys.
Nenhuma das histórias é boa o suficiente, então elas têm que ir para um grupo de redatores. A tarefa é dividida, cada um redige um parágrafo, por isso é necessário também, um redator geral para juntar as coisas depois. Aí passa por uns seis ou sete revisores, uma vez que os redatores geralmente são imigrantes ilegais, pois com isso se economiza na mão de obra, embora a maioria deles não domine nosso idioma.
Ainda, há o contrato com uma ONG que disponibiliza dez chimpanzés que ficam digitando aleatoriamente vinte e quatro horas por dia, num regime ininterrupto que só pode ser mantido com muito café, cigarro e anfetamina, o que também eleva os custos de produção da crônica.
Por fim chegam os dois textos prontos para mim, o escritor, que como chefe do empreendimento literário devo escolher entre o texto dos homens ou o dos chimpanzés, que então é publicado. Constato, com orgulho, que nós homens normalmente ganhamos e apenas em 35% das vezes o texto dos chimpanzés tem mais brilho ou inteligência. E assim as coisas são.
25/02/2010
Cinema bar
- Serve meu copo também, por favor. Então o que achou?
- Lixo imperialista!
- Ah, mas tu és um bolchevique desgraçado mesmo, acha tudo um lixo imperialista.
- Não tenho culpa se é, ué. Veja só, aquela história de judeus em fúria com licença para fazer crimes de guerra nas linhas alemãs nada mais é do que uma alegoria de Abu Ghraib, aquela prisão de Bagdá onde tio Sam torturava iraquianos. Tá tudo ali, é a validação da tortura e do terror. A lógica é a mesma, se os esteites poderiam cometer crimes de guerra contra o nazistas porque eram nazistas, também podem fazer o mesmo contra os árabes porque são árabes. Sem falar naquela louca que queima tudo e não tem nada a ver com a história.
- Mas você pode inverter o raciocínio, o fato do diretor botar isso no filme pode ser justamente pra denunciar Abu Ghraib, não pra validar. E como assim nada a ver com a história? Você tá louco? Ela é a história. Ela é judia como eles, estão unidos por exegese.
- Posso me meter na conversa? Vocês falaram em judeus, como aquele maluco do Grande Lebowski?
- Não Lenny, cala a boca, não se mete que estamos falando sério. Não tem nada a ver com o outro filme, só porque o cara é judeu também. Exegese é aquilo que o Charles Manson faz em Helter Skelter, é a tradição religiosa de unir coisas diferentes dos livros sagrados para criar uma idéia totalmente nova. Assim o Charles Manson se inspirou na música e na bíblia e juntou as duas coisas para criar um novo ideário e sair matando.
- Nada a ver, isso é o declínio moral do império americano.
- Lá vem você de novo com esse bolchevismo. Escuta, a exegese é o principal instrumento teórico de judeus e cristãos. Com a exegese, por exemplo, Tomás de Aquino pôde, no século XIII, juntar duas lendas diferentes, a de cristo e a de Adão e Eva, para inventar a remissão do pecado original, o que permitiu criar um lastro para que a igreja vendesse o perdão de pecados e se tornasse podre de rica. Vocês entendem?
- Mas a igreja também faz parte da escória imperialista!
- Helter Skelter não é o nome do filme dos Beatles dirigido pelo Polanski, que inspirou a mulher do Charles Manson a matar John Lennon num campo de centeio?
- Ah, que desgraça, vocês dois estão entendendo tudo errado. Eu desisto! Vamos falar da Tori Black e tomar mais uma. Ô Biga´s, desce mais uma gelada aí, valeu?
- Lixo imperialista!
- Ah, mas tu és um bolchevique desgraçado mesmo, acha tudo um lixo imperialista.
- Não tenho culpa se é, ué. Veja só, aquela história de judeus em fúria com licença para fazer crimes de guerra nas linhas alemãs nada mais é do que uma alegoria de Abu Ghraib, aquela prisão de Bagdá onde tio Sam torturava iraquianos. Tá tudo ali, é a validação da tortura e do terror. A lógica é a mesma, se os esteites poderiam cometer crimes de guerra contra o nazistas porque eram nazistas, também podem fazer o mesmo contra os árabes porque são árabes. Sem falar naquela louca que queima tudo e não tem nada a ver com a história.
- Mas você pode inverter o raciocínio, o fato do diretor botar isso no filme pode ser justamente pra denunciar Abu Ghraib, não pra validar. E como assim nada a ver com a história? Você tá louco? Ela é a história. Ela é judia como eles, estão unidos por exegese.
- Posso me meter na conversa? Vocês falaram em judeus, como aquele maluco do Grande Lebowski?
- Não Lenny, cala a boca, não se mete que estamos falando sério. Não tem nada a ver com o outro filme, só porque o cara é judeu também. Exegese é aquilo que o Charles Manson faz em Helter Skelter, é a tradição religiosa de unir coisas diferentes dos livros sagrados para criar uma idéia totalmente nova. Assim o Charles Manson se inspirou na música e na bíblia e juntou as duas coisas para criar um novo ideário e sair matando.
- Nada a ver, isso é o declínio moral do império americano.
- Lá vem você de novo com esse bolchevismo. Escuta, a exegese é o principal instrumento teórico de judeus e cristãos. Com a exegese, por exemplo, Tomás de Aquino pôde, no século XIII, juntar duas lendas diferentes, a de cristo e a de Adão e Eva, para inventar a remissão do pecado original, o que permitiu criar um lastro para que a igreja vendesse o perdão de pecados e se tornasse podre de rica. Vocês entendem?
- Mas a igreja também faz parte da escória imperialista!
- Helter Skelter não é o nome do filme dos Beatles dirigido pelo Polanski, que inspirou a mulher do Charles Manson a matar John Lennon num campo de centeio?
- Ah, que desgraça, vocês dois estão entendendo tudo errado. Eu desisto! Vamos falar da Tori Black e tomar mais uma. Ô Biga´s, desce mais uma gelada aí, valeu?
19/02/2010
Prensados
É ano eleitoral. É de novo aquela agitação no estômago da imprensa, em busca de novidades saídas diretamente das tripas do processo eleitoral.
Eu me lembro quando era criança, a primeira eleição pra presidente depois de duas décadas de ditadura. Em termos de política, infelizmente, a coisa sempre foi meio nebulosa lá em casa. Meu pai, por exemplo, achava que se um dos candidatos ganhasse o MST viria trazer quinze pessoas para morar em cada casa. O que o MST iria vir fazer na nossa casa é uma coisa que meu pai nunca se perguntou, ele parecia mesmo acreditar que o MST iria querer plantar alface nos doze metros quadrados do nosso quintal ao invés de cultivar uma dessas largas extensões de terra praticamente sem uso dos nossos latifúndios.
Mas isso era, também, reflexo dos medos que a ditadura deixou, que aos poucos vão sumindo. É a ideologia como substituto não só da moral, mas também da razão, que levava a classe média a votar desesperada naquilo que a tevê mandava. Mas como toda razão não fundamentada, ela se erode com o tempo, vítima de sua própria inconsistência.
A ditadura durou vinte e cinco anos, o tempo de uma geração, e completa agora vinte anos que nos livramos dela, o que deveria nos dar uma nova capacidade de estruturar a sociedade. O MST há muito já se estabeleceu e longe de querer vir pra cidade, criou grandes cooperativas no interior do país, gerando leite, grãos e todo tipo de alimento, o que mostra que longe de ser uma ameaça, é o mais claro exemplo de reforma social visando consolidar uma sociedade moderna no campo, longe dos modelos retrógrados herdados de nosso passado colonial. E digo isso como exemplo de que nossa percepção hoje em dia pode se basear mais nos dados da realidade do que naquelas sombrias ameaças de futuro que faziam a alegria dos semanários.
Estamos mais instruídos hoje. O número de miseráveis caiu pela metade na última década, o acesso à cultura e educação aumentou e, como conseqüência, já aprendemos que não podemos mais confiar na tevê para decidirmos. O povo não é bobo deixou de ser palavra de ordem e virou fato, deixando os grandes jornais e tevês do passado apavorados com a queda brutal de tiragem e audiência.
Há um ano atrás um desses veículos moribundos previu que um terço da população do país seria arrasada pela gripe suína. O povo apavorou, mas logo viu a mentira. O jornal publicou um nota sobre o erro uns três meses depois, achando que sairia impune. A queda brutal de suas vendas têm sido punição apropriada.
Eu me lembro quando era criança, a primeira eleição pra presidente depois de duas décadas de ditadura. Em termos de política, infelizmente, a coisa sempre foi meio nebulosa lá em casa. Meu pai, por exemplo, achava que se um dos candidatos ganhasse o MST viria trazer quinze pessoas para morar em cada casa. O que o MST iria vir fazer na nossa casa é uma coisa que meu pai nunca se perguntou, ele parecia mesmo acreditar que o MST iria querer plantar alface nos doze metros quadrados do nosso quintal ao invés de cultivar uma dessas largas extensões de terra praticamente sem uso dos nossos latifúndios.
Mas isso era, também, reflexo dos medos que a ditadura deixou, que aos poucos vão sumindo. É a ideologia como substituto não só da moral, mas também da razão, que levava a classe média a votar desesperada naquilo que a tevê mandava. Mas como toda razão não fundamentada, ela se erode com o tempo, vítima de sua própria inconsistência.
A ditadura durou vinte e cinco anos, o tempo de uma geração, e completa agora vinte anos que nos livramos dela, o que deveria nos dar uma nova capacidade de estruturar a sociedade. O MST há muito já se estabeleceu e longe de querer vir pra cidade, criou grandes cooperativas no interior do país, gerando leite, grãos e todo tipo de alimento, o que mostra que longe de ser uma ameaça, é o mais claro exemplo de reforma social visando consolidar uma sociedade moderna no campo, longe dos modelos retrógrados herdados de nosso passado colonial. E digo isso como exemplo de que nossa percepção hoje em dia pode se basear mais nos dados da realidade do que naquelas sombrias ameaças de futuro que faziam a alegria dos semanários.
Estamos mais instruídos hoje. O número de miseráveis caiu pela metade na última década, o acesso à cultura e educação aumentou e, como conseqüência, já aprendemos que não podemos mais confiar na tevê para decidirmos. O povo não é bobo deixou de ser palavra de ordem e virou fato, deixando os grandes jornais e tevês do passado apavorados com a queda brutal de tiragem e audiência.
Há um ano atrás um desses veículos moribundos previu que um terço da população do país seria arrasada pela gripe suína. O povo apavorou, mas logo viu a mentira. O jornal publicou um nota sobre o erro uns três meses depois, achando que sairia impune. A queda brutal de suas vendas têm sido punição apropriada.
11/02/2010
Como matei John Lennon
É engraçado, eu, como muitas pessoas, sou dado a certo espanto pelas coincidências, embora elas não sejam mais nada além do que a palavra diz, coincidências.
Mas acho que às vezes a gente pode ter um faro especial pra coisa e segue impulsos sem ter muita noção do que está fazendo. Às vezes dá certo, na maioria das vezes não, mas essa minoria de vezes que dá certo é o que fica gravado na nossa memória e nos espanta. É o caso clássico do experimento de Skinner e seus pombos religiosos.
Mas o fato é que fiquei com aquele livro por uns dez anos na fila pra ler e um dia deu na telha de ler. Li ele de um tapa só e fiquei estupefato e fui na internet procurar pelo autor, JD Sallinger, e descobri que ele acabara de morrer a apenas algumas horas.
Que coisa, porque tive que esperar pra ler o livro justo quando o cara estava no leito de morte? Nem sequer mandar um elogio pra ele eu posso mais.
O mais curioso do livro é que a maioria faz uma defesa do livro que dá vontade de vomitar e a gente pensa que nunca vai ler o livro. Dizem que é um livro sobre um adolescente voltando pra casa e retratando as angústias de um adolescente padrão.
Não poderiam estar mais errados. E é por isso que não entendem porque o cara que matou John Lennon se dizia inspirado no livro.
Eu sei que vou estragar para muita gente a grande graça do livro que é sacar isso, então parem de ler aqui se pretendem ler o livro num futuro próximo. O livro é na verdade o relato de um escritor de trinta anos, aprisionado no hospício, em meio a uma crise psicótica severa, que começa a desdobrar sua identidade em várias personalidades diferentes, sendo uma delas o próprio narrador do livro, Caufield, que parte numa jornada interagindo com essas pessoas reais ou não.
É simplesmente genial isso, grande lance de mestre do Sallinger e creio que a própria explicação dele do porque se retirava do convívio social após escrever o livro. Está tudo lá no romance, só que de forma tão disfarçada, que a maioria das pessoas vai ler o relato de Caufield sem perceber que o próprio Caufield é o delírio de um outro personagem secundário do livro, que é justamente a única pessoa que Caufield consegue ver no hospício. É tudo tão sutil que é de tirar o fôlego e ficamos mesmo com a sensação de que estamos enlouquecendo em pensar que o livro se trata disso, que estamos tendo uma grande ilusão paranóide do tipo teoria da conspiração.
O passo seguinte, é claro, é matar John Lennon, mas aí já é outra história...
Mas acho que às vezes a gente pode ter um faro especial pra coisa e segue impulsos sem ter muita noção do que está fazendo. Às vezes dá certo, na maioria das vezes não, mas essa minoria de vezes que dá certo é o que fica gravado na nossa memória e nos espanta. É o caso clássico do experimento de Skinner e seus pombos religiosos.
Mas o fato é que fiquei com aquele livro por uns dez anos na fila pra ler e um dia deu na telha de ler. Li ele de um tapa só e fiquei estupefato e fui na internet procurar pelo autor, JD Sallinger, e descobri que ele acabara de morrer a apenas algumas horas.
Que coisa, porque tive que esperar pra ler o livro justo quando o cara estava no leito de morte? Nem sequer mandar um elogio pra ele eu posso mais.
O mais curioso do livro é que a maioria faz uma defesa do livro que dá vontade de vomitar e a gente pensa que nunca vai ler o livro. Dizem que é um livro sobre um adolescente voltando pra casa e retratando as angústias de um adolescente padrão.
Não poderiam estar mais errados. E é por isso que não entendem porque o cara que matou John Lennon se dizia inspirado no livro.
Eu sei que vou estragar para muita gente a grande graça do livro que é sacar isso, então parem de ler aqui se pretendem ler o livro num futuro próximo. O livro é na verdade o relato de um escritor de trinta anos, aprisionado no hospício, em meio a uma crise psicótica severa, que começa a desdobrar sua identidade em várias personalidades diferentes, sendo uma delas o próprio narrador do livro, Caufield, que parte numa jornada interagindo com essas pessoas reais ou não.
É simplesmente genial isso, grande lance de mestre do Sallinger e creio que a própria explicação dele do porque se retirava do convívio social após escrever o livro. Está tudo lá no romance, só que de forma tão disfarçada, que a maioria das pessoas vai ler o relato de Caufield sem perceber que o próprio Caufield é o delírio de um outro personagem secundário do livro, que é justamente a única pessoa que Caufield consegue ver no hospício. É tudo tão sutil que é de tirar o fôlego e ficamos mesmo com a sensação de que estamos enlouquecendo em pensar que o livro se trata disso, que estamos tendo uma grande ilusão paranóide do tipo teoria da conspiração.
O passo seguinte, é claro, é matar John Lennon, mas aí já é outra história...
06/02/2010
Volta pra casa
Ele vinha saindo com pressa do serviço, precisava chegar ao térreo e passar pela porta da frente antes que o porteiro encerrasse o expediente e a trancasse. Estava quase lá quando o celular tocou. “Amor, você tá vindo pra casa?”, perguntou a voz melosa do outro lado. Ele apressado explicou que estava e que a amava muito e mandou um beijo e desligou e olhou em frente e descobriu que era tarde demais, o porteiro acabara de trancar tudo.
Ficou com raiva do aparelho, da mulher, da empresa, de tudo. Agora teria que dar a volta no prédio e sair por trás e perder uns bons quinze minutos, mas não tinha outro jeito. Tirou o paletó e botou no braço enquanto suava litros em seu percurso.
Com essa volta toda não ia dar tempo de pegar o ônibus. Resolveu tomar um táxi. Ia se aproximando do ponto quando viu que havia um veículo lá parado. Só um. Saiu correndo apressado quando o celular tocou de novo. “Amor, você já está chegando?” Perguntou a mesma voz melosa de antes. Ele explicou que ia demorar um pouco mas que logo chegava. Falou que sim, que ainda amava ela e que não devia se preocupar com essas bobagens. Mandou um beijo também fazendo uma voz suave quase em falsete.
Desligou o aparelho e olhou pra frente a tempo de ver o último táxi sair. Agora não tinha jeito, teria que ir de ônibus mesmo. Foi andando até o terminal. Chegou lá ainda mais suado. Viu seu ônibus parado no ponto e pensou “Finalmente um pouco de sorte hoje!”. No caminho o celular tocou e ele pensou em nem atender mas viu que era ela e sabia que ela ficava furiosa quando ele não atendia. “Oi... é... sim... é... tá demorando mesmo...” ele respondia para aquela voz que agora já não era tão melosa do outro lado, “é... eu sei meu amor... eu estou indo... já disse que estou indo... não, não estou no bar, estou no terminal de ônibus... já disse, não estou bebendo, sei lá que barulho você está ouvindo, aqui eu só ouço motores e gente... não, já disse, não tô no bar bebendo e vendo futebol... tá... tá... tá bom... tá... eu também te amo”.
Desligou apressado e olhou a tempo de ver o ônibus saindo. Agora estava perdido de vez. Tirou a gravata e decidiu ir a pé o resto do caminho. Tinha dias que tudo dava errado. Foi passando por uma pracinha e lembrou que brincava ali quando era criança. Lembrou de uma vez que brigou com os pais e se escondeu ali chorando até o anoitecer.
O celular tocou de novo. Era ela. Ele espatifou o aparelho contra o chão com raiva e desespero, pisoteou-o e correu para a praça para chorar até anoitecer.
Ficou com raiva do aparelho, da mulher, da empresa, de tudo. Agora teria que dar a volta no prédio e sair por trás e perder uns bons quinze minutos, mas não tinha outro jeito. Tirou o paletó e botou no braço enquanto suava litros em seu percurso.
Com essa volta toda não ia dar tempo de pegar o ônibus. Resolveu tomar um táxi. Ia se aproximando do ponto quando viu que havia um veículo lá parado. Só um. Saiu correndo apressado quando o celular tocou de novo. “Amor, você já está chegando?” Perguntou a mesma voz melosa de antes. Ele explicou que ia demorar um pouco mas que logo chegava. Falou que sim, que ainda amava ela e que não devia se preocupar com essas bobagens. Mandou um beijo também fazendo uma voz suave quase em falsete.
Desligou o aparelho e olhou pra frente a tempo de ver o último táxi sair. Agora não tinha jeito, teria que ir de ônibus mesmo. Foi andando até o terminal. Chegou lá ainda mais suado. Viu seu ônibus parado no ponto e pensou “Finalmente um pouco de sorte hoje!”. No caminho o celular tocou e ele pensou em nem atender mas viu que era ela e sabia que ela ficava furiosa quando ele não atendia. “Oi... é... sim... é... tá demorando mesmo...” ele respondia para aquela voz que agora já não era tão melosa do outro lado, “é... eu sei meu amor... eu estou indo... já disse que estou indo... não, não estou no bar, estou no terminal de ônibus... já disse, não estou bebendo, sei lá que barulho você está ouvindo, aqui eu só ouço motores e gente... não, já disse, não tô no bar bebendo e vendo futebol... tá... tá... tá bom... tá... eu também te amo”.
Desligou apressado e olhou a tempo de ver o ônibus saindo. Agora estava perdido de vez. Tirou a gravata e decidiu ir a pé o resto do caminho. Tinha dias que tudo dava errado. Foi passando por uma pracinha e lembrou que brincava ali quando era criança. Lembrou de uma vez que brigou com os pais e se escondeu ali chorando até o anoitecer.
O celular tocou de novo. Era ela. Ele espatifou o aparelho contra o chão com raiva e desespero, pisoteou-o e correu para a praça para chorar até anoitecer.
05/02/2010
Cuecas ao mastro
Começou quando conheci esse militante comunista chamado Guaratinga, com dois metros de altura e muito negro, apesar do nome indígena. Ele morava com sete mulheres, uma delas de nome complicado que sempre nos exigia que a chamassem pelo sobrenome germânico dela, Irrekuh.
O fato é que foi Guaratinga quem acabou me apresentando Irrekuh, de longe a mulher mais louca que já conheci. Vinha de alguma pequena colônia de imigrantes do meio do estado e alternava de ânimos de uma forma selvagem. Num segundo estava pulando e cantando e rindo loucamente no meio da multidão na rua, para momentos depois, sem nenhuma causa conhecida, se jogar no chão em prantos e lamentos terríveis, acompanhados de espasmos abdominais e pélvicos. Às vezes ligava uma manhã inteira falando com alegria de uma festa para ir e quando ia à festa começava a chorar e transformava a ocasião num claustrofóbico e pesado velório.
Talvez a loucura de Irrekuh foi o que mais me animou a simpatia instantânea que por ela logo nutri, muito embora seus dotes físicos eram o que normalmente chamavam mais a atenção dos outros. E como ela percebeu logo que encontrara em mim um receptáculo passivo de qualquer tipo de loucura, logo começou a freqüentar minha casa e tornar-se amiga próxima.
Eu nunca soube se ela apenas encontrava em mim um lugar para despejar suas loucuras em busca de alívio ou, pelo contrário, me via como um desafio a ser quebrado, aumentando cada vez mais o grau de suas loucuras, até que eu mesmo não mais suportasse. Sejam lá quais forem os motivos, é verdade que ela me proporcionou os dias mais felizes e tristes ao mesmo tempo que já conheci, tamanha a oscilação dela durante o dia, que acabava por me arrastar.
Ela costumava a vir diariamente e pedir-me se podia tirar a roupa, pois estava muito quente. Eu dizia que sim e me alegrava em vê-la andando sem roupas o dia inteiro pela casa, embora fingisse não ligar para isso. Não era algo com maldade ou erotismo, mas sim uma espécie de acabamento perfeito para o lar, algo para se ver, como uma janela com vista para o mar. Em seguida ela me contava todas suas alegrias e tristezas com seus três ou quatro namorados da vez e me pedia conselhos, que eu nunca dava.
Depois pedia uma muda de roupas minha e ia embora, com especial preferência pelas minhas cuecas. E foi assim que Guaratinga encontrou uma delas no varal de sua casa e até hoje a usa, sem saber que era minha. Eis aí minha valiosa contribuição à causa revolucionária!
O fato é que foi Guaratinga quem acabou me apresentando Irrekuh, de longe a mulher mais louca que já conheci. Vinha de alguma pequena colônia de imigrantes do meio do estado e alternava de ânimos de uma forma selvagem. Num segundo estava pulando e cantando e rindo loucamente no meio da multidão na rua, para momentos depois, sem nenhuma causa conhecida, se jogar no chão em prantos e lamentos terríveis, acompanhados de espasmos abdominais e pélvicos. Às vezes ligava uma manhã inteira falando com alegria de uma festa para ir e quando ia à festa começava a chorar e transformava a ocasião num claustrofóbico e pesado velório.
Talvez a loucura de Irrekuh foi o que mais me animou a simpatia instantânea que por ela logo nutri, muito embora seus dotes físicos eram o que normalmente chamavam mais a atenção dos outros. E como ela percebeu logo que encontrara em mim um receptáculo passivo de qualquer tipo de loucura, logo começou a freqüentar minha casa e tornar-se amiga próxima.
Eu nunca soube se ela apenas encontrava em mim um lugar para despejar suas loucuras em busca de alívio ou, pelo contrário, me via como um desafio a ser quebrado, aumentando cada vez mais o grau de suas loucuras, até que eu mesmo não mais suportasse. Sejam lá quais forem os motivos, é verdade que ela me proporcionou os dias mais felizes e tristes ao mesmo tempo que já conheci, tamanha a oscilação dela durante o dia, que acabava por me arrastar.
Ela costumava a vir diariamente e pedir-me se podia tirar a roupa, pois estava muito quente. Eu dizia que sim e me alegrava em vê-la andando sem roupas o dia inteiro pela casa, embora fingisse não ligar para isso. Não era algo com maldade ou erotismo, mas sim uma espécie de acabamento perfeito para o lar, algo para se ver, como uma janela com vista para o mar. Em seguida ela me contava todas suas alegrias e tristezas com seus três ou quatro namorados da vez e me pedia conselhos, que eu nunca dava.
Depois pedia uma muda de roupas minha e ia embora, com especial preferência pelas minhas cuecas. E foi assim que Guaratinga encontrou uma delas no varal de sua casa e até hoje a usa, sem saber que era minha. Eis aí minha valiosa contribuição à causa revolucionária!
Sonhos
Meu amigo Sarlie me lembrou outro dia da história de controlar sonhos. É algo muito interessante de se fazer e uma experiência realmente gratificante. Tem até uns malucos no Havaí que montaram uma escola para as pessoas treinarem controle dos sonhos.
O sono, longe de ser um período de cérebro desligado é um dos períodos de maior atividade cerebral e várias vezes consegui resolver problemas que me incomodavam há dias durante o sono, de tanto que pensei neles antes de dormir. De fato, o sono é um dos melhores momentos para resolver problemas complicados pois o cérebro está completamente dedicado a tarefas abstratas, sem interrupção de barulhos e imagens do mundo externo, isto é, completamente concentrado.
Minha habilidade em controle os sonhos, no entanto, veio dos sonhos recorrentes. Começaram no início da adolescência. Em princípio era o colégio que eu estudava e odiava que sempre desabava e eu morria. Fiquei anos sonhando com aquilo e aprendi ali a controlar o sonho e fugir para lugares diferentes em cada sonho, depois de umas quatro ou cinco vezes em que eu morri soterrado no banheiro. Por fim, um dia consegui fugir antes do desabamento e nunca mais sonhei com aquilo de novo.
Então vieram os sonhos recorrentes bons. Meu favorito era aquele em que eu ficava preso com centenas de mulheres lindas na ilha do topless. Eu sonhava aquilo noite após noite, sempre encontrando mulheres diferentes e mais lindas que as anteriores. Foi o melhor período da minha vida, apesar da tristeza que era em ter que acordar e abandonar as mulheres sozinhas naquela ilha em orgias solitárias. Sem falar no banho que eu precisava tomar quando acordava para me livrar de vez do sono e das roupas meladas.
Mas então a adolescência foi acabando e a juventude se esvaindo e esses sonhos rareando, de forma que agora são só pesadelos com cidades ciclópicas lovecraftianas e alegorias enigmáticas. No mais comum deles estou eu curvado sobre o teclado de meu computador, com o corpo inclinado, quase me fundindo à máquina. Meus dedos batem rápidos nas teclas e com força e durante horas a fio estourando a pele e os vasos sangüíneos, encharcando de sangue o teclado, a mesa e o chão.
E por mais que eu digite nunca posso parar pois atrás de mim está a morte, com seu manto puído embolorado e seu corpo de ossos com um chicote na mão a açoitar minhas costas mandando que eu acelere e digite mais e mais e mais. Então me envergo ainda mais e sigo no tormento sem fim.
O sono, longe de ser um período de cérebro desligado é um dos períodos de maior atividade cerebral e várias vezes consegui resolver problemas que me incomodavam há dias durante o sono, de tanto que pensei neles antes de dormir. De fato, o sono é um dos melhores momentos para resolver problemas complicados pois o cérebro está completamente dedicado a tarefas abstratas, sem interrupção de barulhos e imagens do mundo externo, isto é, completamente concentrado.
Minha habilidade em controle os sonhos, no entanto, veio dos sonhos recorrentes. Começaram no início da adolescência. Em princípio era o colégio que eu estudava e odiava que sempre desabava e eu morria. Fiquei anos sonhando com aquilo e aprendi ali a controlar o sonho e fugir para lugares diferentes em cada sonho, depois de umas quatro ou cinco vezes em que eu morri soterrado no banheiro. Por fim, um dia consegui fugir antes do desabamento e nunca mais sonhei com aquilo de novo.
Então vieram os sonhos recorrentes bons. Meu favorito era aquele em que eu ficava preso com centenas de mulheres lindas na ilha do topless. Eu sonhava aquilo noite após noite, sempre encontrando mulheres diferentes e mais lindas que as anteriores. Foi o melhor período da minha vida, apesar da tristeza que era em ter que acordar e abandonar as mulheres sozinhas naquela ilha em orgias solitárias. Sem falar no banho que eu precisava tomar quando acordava para me livrar de vez do sono e das roupas meladas.
Mas então a adolescência foi acabando e a juventude se esvaindo e esses sonhos rareando, de forma que agora são só pesadelos com cidades ciclópicas lovecraftianas e alegorias enigmáticas. No mais comum deles estou eu curvado sobre o teclado de meu computador, com o corpo inclinado, quase me fundindo à máquina. Meus dedos batem rápidos nas teclas e com força e durante horas a fio estourando a pele e os vasos sangüíneos, encharcando de sangue o teclado, a mesa e o chão.
E por mais que eu digite nunca posso parar pois atrás de mim está a morte, com seu manto puído embolorado e seu corpo de ossos com um chicote na mão a açoitar minhas costas mandando que eu acelere e digite mais e mais e mais. Então me envergo ainda mais e sigo no tormento sem fim.
às vezes não dá
Encontrei ela no supermercado e ela disse: estou brava com você! Eu não sei porque isso me surpreendia uma vez que ela sempre dizia algo assim parecido, embora eu não lembrasse ao certo por que o namoro havia acabado.
Eu li algo que você escreveu no jornal, ela disse, e era sobre mim. Meu bem, eu disse, tudo que eu escrevo sempre é sobre você. Ela corou um pouco e depois disse: achei que você escrevia sobre as outras. É sempre sobre você e sempre sobre as outras também.
Ela se irritou com a nova resposta e perguntou se eu estava comparando ela com outras mulheres e eu disse que ela não devia ter medo de ser comparada, pois não estava em último na corrida, mas sim naquele bolo que formam os corredores que estão ali no meio da prova.
A resposta irritou ela mais ainda e ela saiu bufando sem se despedir. Parece que sempre foi assim. Lembro dos tempos de namoro em que ela chegava e estava sempre angustiada, ou nervosa, ou irritada, ou estressada ou qualquer coisa tempestuosa. Daí ficava mais de duas horas falando sem parar e reclamando da vida e de tudo e de todos e eu lá já sem esperança de conseguir alguma atividade sexual naquela noite, até que ela finalmente amaciava a vinha para mim. Um dia eu disse a ela que não adiantava ela me dizer tudo aquilo, que eu não tinha interesse nas frustrações e angustias e dúvidas e raivas dela, que apenas me interessava que ela soubesse o que queria da vida e fosse em frente. Ela ficou muito irritada com aquilo, disse que eu só pensava em sexo e da importância de compartilhar.
Daí eu disse que ela podia compartilhar à vontade, mas isso não mudaria nada, pois eu não iria esmurrar o chefe dela para ele lhe dar um aumento, ou esmurrar o pai dela para lhe respeitar, ou esmurrar o padre dela por ter mentido durante tantos anos nem esmurrar ela para aprender a parar de se lamentar e tocar a vida, de forma que ela podia compartilhar o quanto quisesse que isso não serviria para absolutamente nada.
Ela ficou muito triste naquela noite e nossa vida sexual minguou de vez até que ela disse que contava tudo para a mãe dela, uma senhora minha vizinha que me conhecia desde criança e foi aí que o relacionamento acabou de vez. Eu não podia suportar aquela senhora sabendo tanto da minha vida sexual.
Aí, depois de um tempo do evento no supermercado escrevi uma série de crônicas sobre os cães de rua. Ela ficou furiosa e me perguntou se aquilo também era sobre ela. Meu bem, eu disse novamente, tudo que eu escrevo sempre é sobre você. E nunca mais nos vimos então...
Eu li algo que você escreveu no jornal, ela disse, e era sobre mim. Meu bem, eu disse, tudo que eu escrevo sempre é sobre você. Ela corou um pouco e depois disse: achei que você escrevia sobre as outras. É sempre sobre você e sempre sobre as outras também.
Ela se irritou com a nova resposta e perguntou se eu estava comparando ela com outras mulheres e eu disse que ela não devia ter medo de ser comparada, pois não estava em último na corrida, mas sim naquele bolo que formam os corredores que estão ali no meio da prova.
A resposta irritou ela mais ainda e ela saiu bufando sem se despedir. Parece que sempre foi assim. Lembro dos tempos de namoro em que ela chegava e estava sempre angustiada, ou nervosa, ou irritada, ou estressada ou qualquer coisa tempestuosa. Daí ficava mais de duas horas falando sem parar e reclamando da vida e de tudo e de todos e eu lá já sem esperança de conseguir alguma atividade sexual naquela noite, até que ela finalmente amaciava a vinha para mim. Um dia eu disse a ela que não adiantava ela me dizer tudo aquilo, que eu não tinha interesse nas frustrações e angustias e dúvidas e raivas dela, que apenas me interessava que ela soubesse o que queria da vida e fosse em frente. Ela ficou muito irritada com aquilo, disse que eu só pensava em sexo e da importância de compartilhar.
Daí eu disse que ela podia compartilhar à vontade, mas isso não mudaria nada, pois eu não iria esmurrar o chefe dela para ele lhe dar um aumento, ou esmurrar o pai dela para lhe respeitar, ou esmurrar o padre dela por ter mentido durante tantos anos nem esmurrar ela para aprender a parar de se lamentar e tocar a vida, de forma que ela podia compartilhar o quanto quisesse que isso não serviria para absolutamente nada.
Ela ficou muito triste naquela noite e nossa vida sexual minguou de vez até que ela disse que contava tudo para a mãe dela, uma senhora minha vizinha que me conhecia desde criança e foi aí que o relacionamento acabou de vez. Eu não podia suportar aquela senhora sabendo tanto da minha vida sexual.
Aí, depois de um tempo do evento no supermercado escrevi uma série de crônicas sobre os cães de rua. Ela ficou furiosa e me perguntou se aquilo também era sobre ela. Meu bem, eu disse novamente, tudo que eu escrevo sempre é sobre você. E nunca mais nos vimos então...
Derretendo
Eu costumava a suportar bem os verões, adorava mesmo a época, mas esse ano ou estou doente ou o calor está demais. Lembro de já ter pego quarenta graus aqui muitos anos atrás e não parecer tão ruim. Acho que desacostumamos do calor mesmo, depois de um inverno tão ferrado como este último.
Meio-dia e o cérebro começa a derreter. Praguejo contra o ventilador velho que já não funciona direito e saio pra almoçar num ar condicionado. Isto é, num lugar qualquer que seja refrigerado. Entro num supermercado e pego um prato de coxinhas e uma água com gelo até a borda do copo. Fico lá comendo lentamente apenas para aproveitar ao máximo o ar gelado do local.
Tudo mais ou menos bem, até resolver ir no banheiro. Nunca vi um lugar tão lotado. Nem tão sujo. Todos os mictórios ocupados e, pra piorar, um sujeito de tatuagens e topete no cabelo faz poses na frente do espelho pra se arrumar. É a era do metrossexualismo, quer a gente queira ou não.
Depois de mil poses e beicinhos e ajeitadas no topete ele desocupa o local e posso lavar meu rosto um pouco. Não adianta. O calor persiste e resolvo desistir de usar o banheiro que não desocupa e volto para o ar condicionado.
Fico lá zanzando a esmo, até que já passei três vezes por cada seção e sei que é hora de ir. Venho zanzando pela Lauro Linhares acompanhando as placas dos carros, tentando lembrar fatos que coincidam com as terminações. Vejo um carro terminando nos números 0820, e depois de muito forçar a mente me lembro, agosto de 1920, nascimento de Charles Bukowski.
O primeiro foi fácil, olho pela estrada em busca de outro número que me chame atenção. Um carro azul desses que custa cem mil na concessionária passa por mim com a placa 1185. Esse era difícil.
Eu sentia o sol queimando minha cabeça enquanto eu tentava com afinco lembrar uma data que encaixasse. Fico acompanhando o carro que vai no engarrafamento, como se isso pudesse me ajudar. Quando estou quase desistindo eu lembro, novembro de 1985, primeira publicação de Calvin e Haroldo, minha tira de jornal favorita.
Estou lá me felicitando pela lembrança quando vejo o sujeito motorista do carrão jogando seu lixo pra fora da janela. Canalha, porco!
Vejo o boné do motorista e logo imagino um adolescente e me flagro pensando na decadência dos jovens. Daí ele joga novamente seu lixo pela janela e reparo que é um senhor lá pelos setenta anos. Francamente, tanto dinheiro para comprar um carro desses, mas tão pouca educação. Doze palavrões depois e eu volto a andar pra casa.
Meio-dia e o cérebro começa a derreter. Praguejo contra o ventilador velho que já não funciona direito e saio pra almoçar num ar condicionado. Isto é, num lugar qualquer que seja refrigerado. Entro num supermercado e pego um prato de coxinhas e uma água com gelo até a borda do copo. Fico lá comendo lentamente apenas para aproveitar ao máximo o ar gelado do local.
Tudo mais ou menos bem, até resolver ir no banheiro. Nunca vi um lugar tão lotado. Nem tão sujo. Todos os mictórios ocupados e, pra piorar, um sujeito de tatuagens e topete no cabelo faz poses na frente do espelho pra se arrumar. É a era do metrossexualismo, quer a gente queira ou não.
Depois de mil poses e beicinhos e ajeitadas no topete ele desocupa o local e posso lavar meu rosto um pouco. Não adianta. O calor persiste e resolvo desistir de usar o banheiro que não desocupa e volto para o ar condicionado.
Fico lá zanzando a esmo, até que já passei três vezes por cada seção e sei que é hora de ir. Venho zanzando pela Lauro Linhares acompanhando as placas dos carros, tentando lembrar fatos que coincidam com as terminações. Vejo um carro terminando nos números 0820, e depois de muito forçar a mente me lembro, agosto de 1920, nascimento de Charles Bukowski.
O primeiro foi fácil, olho pela estrada em busca de outro número que me chame atenção. Um carro azul desses que custa cem mil na concessionária passa por mim com a placa 1185. Esse era difícil.
Eu sentia o sol queimando minha cabeça enquanto eu tentava com afinco lembrar uma data que encaixasse. Fico acompanhando o carro que vai no engarrafamento, como se isso pudesse me ajudar. Quando estou quase desistindo eu lembro, novembro de 1985, primeira publicação de Calvin e Haroldo, minha tira de jornal favorita.
Estou lá me felicitando pela lembrança quando vejo o sujeito motorista do carrão jogando seu lixo pra fora da janela. Canalha, porco!
Vejo o boné do motorista e logo imagino um adolescente e me flagro pensando na decadência dos jovens. Daí ele joga novamente seu lixo pela janela e reparo que é um senhor lá pelos setenta anos. Francamente, tanto dinheiro para comprar um carro desses, mas tão pouca educação. Doze palavrões depois e eu volto a andar pra casa.
Assinar:
Postagens (Atom)